Como um filme

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Eu estava parado diante da porta de madeira como um completo idiota. A encarava como se ela fosse me devorar no próximo movimento incerto que fizesse. Minhas mãos tremiam e suavam incessantemente, e meus inquietos pés formigavam, porque eu me forçava a me manter num só lugar. Não andaria de um lado para o outro para demonstrar mais nervosismo, eu tentaria me manter firme! Entre meus dedos vacilantes, tinha um punhado de dálias roxas e entre meus pensamentos enebriados um único nome: Loreta.

Loreta Ferraz era atriz, e do tipo que todos se apaixonam. Ela havia começado nas rádio novelas ainda muito jovem e alcançado o estrelato depois de 10 anos de carreira. "A última viagem" fora seu primeiro filme, "Sopro de vida", seu primeiro grande sucesso nos cinemas. Com seus olhos angelicais, largo sorriso e enorme carisma, sua especialidade logo se tornou as protagonistas, fossem donzelas em perigo, ou jovens trabalhadoras, Loreta interpretava cada uma delas com uma naturalidade sem igual. Com o tempo, tornou-se uma das atrizes mais disputadas no meio cinematográfico, fazendo um filme atrás do outro. Mas ela tinha um fraco pelo teatro, de modo que sempre que podia, reservava um espaço em sua agenda para projetos mais intimistas. Claro, que com o sucesso, esses momentos se tornavam cada vez mais esparsos na longa linha de sua carreira. Por sorte, sorte divina, Loreta se apaixonou por um roteiro de uma pequena peça, que agora estava em cartaz na minha ordinária cidade e eu, fascinado por ela, não poderia deixar de assisti-la.

Já havia visto às últimas dez apresentações daquela peça, só não vira mais por falta de dinheiro. Eu quase conseguia recitar cada uma das falas de Loreta e apesar de não reservar mais comigo o gosto da surpresa, me emocionava nas mesmas partes daquela história, como se assistisse pela primeira vez. Naturalmente, pensara em falar com Loreta antes, na verdade, isso só me ocorreu na sexta vez em que saída daquele teatro. Em outras duas oportunidades fui munido de coragem e flores, voltando para casa sem nenhuma das duas coisas. Dessa vez era diferente! Eu já estava diante daquela porta, quase conseguia sentir um inebriante perfume de jasmim... Um toque e um passo a mais e eu estaria vislumbrando as ondas escuras dos cabelos de minha musa.

Bati à porta, meio sem jeito, tentando arrumar o cabelo rapidamente para não ser flagrado fazendo tal coisa. Ninguém respondera. Talvez tenha sido cuidadoso demais, ninguém parecia ter ouvido o toque. Bati novamente, com mais força. Dessa vez ouvi passos, um tanto distantes, perdidos eu diria, eles não pareciam se aproximar, pareciam andar em círculos, hesitantes. Pelo menos eu sabia que havia alguém ali. Se ninguém me respondesse em dois minutos, bateria novamente. Para a minha sorte não foi preciso. O barulho logo retornou, mais alto, decidido. Ouvi o trinco da porta sendo aberto. Que som maravilhoso, mais divino ainda apenas o que eu escutei depois:

"Ah, você está aí?", uma voz doce e levemente rouca me perguntara da fresta da porta, que me permitia entrever a silhueta de sua dona. Era a própria Loreta! Mesmo sendo seu camarim, não imaginava que ela se permitisse abrir a própria porta. "Eu estava esperando por você." Ela, a dama que eu esperara a noite toda, a minha vida toda, ela estava esperando por mim! A euforia naquele momento me paralisou, e eu hesitei. Será que ela estava mesmo falando comigo? Olhei para trás encabulado. Não, ninguém mais, só eu. "O que está esperando, entre logo!" Ela ordenou, o que me fez praticamente correr porta adentro.

O cômodo era menor do que parecia e muito mais bagunçado. Havia um punhado de roupas dispostas sob uma cadeira: casacos, vestidos, saias, não pareciam ser parte do figurino, pareciam roupas que ela mesma havia repousado lá e esquecido de retornar para sua casa. A penteadeira também estava uma bagunça: grampos de cabelo espalhados por ela toda, maquiagens entreabertas, cartas lidas e cartas por ler. Cartas? Lembrei-me do que estava fazendo. Entreguei as dálias para ela e retirei do meu bolso uma foto sua. Loreta arqueou as sobrancelhas mas não protestou. Agradeceu pelas flores e as colocou desajeitadamente em um copo d'água sobre a mesa.

"Não precisava", ela me falou seriamente, não parecendo querer fazer decoro sobre o presente, parecia realmente aceitar as flores a contragosto. Mesmo assim, insisti "Você reparou que elas são dálias", comecei. "São dálias como as do meu primeiro grande filme, do meu primeiro filme de verdade". "Isso, e porque você odeia rosas". Ela riu do meu comentário, tinha uma risada debochada, assim como o seu olhar. Toda a sua fisionomia e aura pareciam completamente diferentes das figuras que ela encarnava no cinema. Loreta usava um vestido longo, simples e preto, e um sobretudo de peles que parecia pesadíssimo, mas que não a impedia de rodopiar pela sala como se fosse nada. Seus cabelos pretos ondulavam um pouco desalinhados, mas ela não parecia menos do que perfeita, como uma pintura de um grande mestre das artes. Seus olhos me inspecionavam de maneira ávida. " Você quer mesmo que eu assine isso?" Ela perguntou encarando seu próprio sorriso eternizado na fotografia que eu lhe estendia. Mal tive tempo de responder e ela rugiu: "Quer, claro que quer. Todos querem." Ela logo tirou uma caneta de um dos bolsos e assinou rapidamente, mas ainda tomando cuidado para que sua letra não se sobrepusesse a sua figura.

"Qual o seu nome, doçura?" "Daniel", respondi extasiado. "Perfeito", ela sussurrou terminando de escrever, mas quando finalmente pensei que me devolveria a fotografia, ela recuou, pousando-a na penteadeira bagunçada. Talvez esse fosse o seu senso de humor, talvez ela fosse sim muito bem humorada, diferente do que os tablóides diziam. Talvez depois da brincadeira ela fosse me devolver a foto rapidamente e me enxotar de seu refúgio. Entrei em pânico. Aquele era o momento em que eu devia elogiar seu desempenho na peça, muito embora soubesse que ela já estava ciente daquilo. Ou talvez eu pudesse falar da minha admiração pelo seu talento e pela sua pessoa, ou qualquer outra coisa do gênero. Precisava exaltá-la. Ou ao menos, jogar-lhe um dos muitos elogios que lhe serviriam como uma luva. Você estava ótima, formidável, eu pensava. Você é ótima, formidável.

"Como estavam as coisas lá fora?" Ela perguntou calmamente, parecia não notar a batalha interna que eu travava comigo mesmo. "Ah, lá fora... Estavam ótimas, formidáveis." "Não", ela levou a mão direita à testa "Não no palco, quero dizer sobre o público." "Estava incrível, casa cheia!" Por algum motivo estranho, a expressão de Loreta não suavizou depois da notícia que eu julgava ser ótima. "E ainda tem muita gente lá fora?" Ela certamente estava de saída, gostaria de evitar outros fãs malucos pelo carinho. "Não, não, acho que não. Eu fiquei aqui um bom tempo esperando..." "Aqui?" O tom de voz dela se elevou, de modo que, um segundo depois, quando notou o que fizera, ela olhou para os lados e continuou baixinho: "Você falou com o Nick?" "Nicholas, seu agente?", eu começava a ficar nervoso, talvez eu não devesse mesmo estar lá. "É, Nicholas, meu agente. Quem mais seria?!" Ela bufou. "De uma olhada em como as coisas estão lá fora e volte aqui rápido!"

Por um milésimo de segundo eu pensei: essa é a maneira mais rude possível de se mandar um fã embora, ela poderia simplesmente me desejar boa noite que eu entenderia. Porém, algo em sua voz me fazia acreditar que era sério. Quando cruzei a porta e não ouvi o som da tranca sob as minhas costas, decidi arriscar. Dei uma olhada pelos arredores, havia pouquíssimas pessoas, talvez todas da produção, aproveitei também para olhar o clima e dar à Loreta o relatório completo: o tempo do lado de fora estava bom, havia chovido um pouco, de modo que poças d'água enfeitavam o asfalto. Voltei prontamente com as informações para minha musa. Assim que adentrei o cômodo, ela retornou da sala ao lado com o semblante visivelmente preocupado. "E então, como estava?" "Poucas pessoas, provavelmente todas do teatro. Tempo limpo, embora tenha chovido, há muitas poças lá fora, eu colocaria uma bota..." Eu mesmo havia me surpreendido com a agilidade em que fiz exatamente o que ela mandara. Aquela mulher poderia me ter em suas mãos se quisesse. Loreta olhou os próprios sapatos, saltos relativamente altos, antes de falar: "Venha comigo, Nick deve ter te avisado sobre o serviço." É, definitivamente ela não estava esperando por mim. Mas que diferença fazia? Já estava ali. Seria o homem que ela precisava que eu fosse!

Segui-a tentando similar uma confiança tão resistente quanto vidro, fingindo que de fato sabia exatamente o que estava acontecendo. Quando ela abriu a porta da saleta ao lado, fiquei boquiaberto, e múltiplos arrepios tomaram conta do meu frágil corpo. Minhas mãos já suadas, estavam agora ensopadas, minhas pernas, incapazes de se manterem firmes por muito tempo. Não emiti nenhum som, nenhuma palavra de aprovação ou reprovação. Algo em mim, algum instinto que nem sabia que existia me dizia para ficar quieto. "O que você acha, vai ser fácil conduzir a situação?" Ela me perguntou com o tom de voz mais sereno do mundo, o que me deixou impressionado. Olhei-a por um breve instante. Sua fisionomia era perfeitamente normal, não tremia, não transpirava e sua voz não vacilava como se algo absurdo estivesse acontecendo. Estava tranquila. Foquei meu olhar para a outra figura mais próxima: um corpo estendido não chão, um homem com um terno preto quase impecável. Um rastro de sangue escorria de sua cabeça, enquanto as demais partes do corpo visíveis, mãos e pescoço, estavam intactas. Ele, aliás, estava de costas, deveria ter sido atingido por trás. Sobre o que o atingira: não havia nenhum sinal visível do objeto.

"E então, o que me diz? Tem muita gente lá fora? Nós precisamos resolver isso." Ela insistia, parecia olhar para mim enquanto eu olhava para o corpo. Pensei em correr, mas eu não poderia, primeiro porque minhas pernas não aguentariam, segundo porque pareceria suspeito. Um homem mal encarado saindo correndo do camarim de uma estrela de cinema, deixando a pobrezinha amendrontada com um corpo estirado no chão? Culpado! Certamente o prenderiam. "Quem é ele?" Perguntei ainda tonto com aquela situação. "Isso não importa mais. Como quer fazer o serviço, eu finjo estar passando mal na entrada tirando todo mundo do seu caminho e você carrega ele até os fundos? Tem uma saída próxima, ninguém o verá." Aquela maldita! Então era isso, ela não queria coisa nenhuma que eu "apenas" a ajudasse a me livrar daquele homem, ela queria fazer uma cena para que eu, sozinho, fosse pego carregando o cadáver. Quem me garantiria que ela não sairia anunciando para todos que um maluco havia atacado ela e um fã inocente? Não, não poderia deixar ela sair daquela sala.

"Foi um acidente!" Loreta exclamou percebendo que eu não esboçava reação nenhuma. "Como é?" Me fiz de desentendido, enquanto tentava recobrar o controle de mim mesmo. "Foi um acidente, ele me atacou primeiro, eu... Eu não queria que isso acontecesse. Você tem que acreditar em mim." Nesse momento seu olhar mudou, encheu-se d'água e sua postura imponente havia perdido um tanto de força. Se eu tivesse entrado naquela sala ali, naquele momento, em que Loreta parecia exatamente como uma das mocinhas de seus filmes, eu teria engolido cada uma de suas palavras com gosto. Mas presenciar a brusca transformação daquele olhar, que antes parecia fazer pouco caso da minha presença, e agora precisava de mim, me assustou. Ela parecia suplicar por mim. Não só seus olhos, mas sua boca também, seu corpo todo. Eu fui me afastando em direção à porta, sem deixar de encará-la, não seria tolo em dar as costas para aquela mulher. Ela me acompanhava, se inclinava cada vez mais para mim, me devorava com os olhos. Seu perfume dominava o meu olfato, seus cabelos roçavam meu pescoço, eu senti suas mãos se mexerem em câmera lenta, como em um filme. A presença dela enchia cada centímetro daquele lugar e nesse instante toda a sala parecia ser Loreta. Uma Loreta enorme, uma armadilha de luxo e eu, preso, completamente sem saída, ficava também sem ação.

Eu queria correr. Deus como queria correr, mas se saísse por àquela porta, precisaria caminhar friamente, sem levantar suspeitas. Mas como impedir que Loreta saísse de lá e me incriminasse? Ou seria possível que ela distraísse a todos para que eu escondesse o corpo? E se ela realmente fosse honesta, será que eu conseguia sair ileso? Sair ileso! No que estava pensando, ajudar aquela mulher? Estava maluco! Eu nem conhecia o homem, seria impossível ser ligado ao caso. Colocaria tudo a perder se tocasse nele! Se já de encará-lo estirado no chão já me sentia culpado, fazer mais do que isso me tornaria cúmplice naquele crime. Não poderia fazer mais nada! Iria sair de qualquer jeito!

"Você vai me ajudar?" Ela sussurrou em tom de súplica, meus olhos totalmente vidrados em seus olhos, de modo que eu podia me ver refletido neles, como um completo tolo. Não sei como isso foi acontecer, ela deve ter se arrastado até mim como uma cobra, só sei que a mulher que há um segundo estava bem diante de mim, estava agora grudada ao meu corpo e com os lábios colados aos meus. Se eu fizesse uma síntese com todas as coisas mais sublimes e perversas que os mais habilidosos poetas já tenham descrito nesse mundo, nada, nada disso chegaria perto de descrever a sensação daquele beijo. A sensação de poder e fraqueza, misturada com o fascínio e terror, eu sentia as unhas daquela mulher pressionando a minha carne. Eu queria fugir, mas também não queria. Talvez devesse beijá-la para sempre para que ambos nunca tivéssemos que deixar a sala, para que nenhum de nós fosse pego. Mas discrição, por vezes, é algo difícil para uma estrela conseguir. Digo isso porque naquele momento, na minha triunfante derrota, na realização do meu mais louco sonho, a porta se abriu. Droga, ninguém havia trancado a porta novamente!

"Oh, minha nossa! Mil perdões, Senhorita Ferraz!" Disse uma mulher muito loura e envergonhada. "Cubra essa para mim, Magali!" Loreta exclamou, ao passo que a mulher que mal adentrara a sala, já sairia imediatamente com ambas as mãos cobrindo seus olhos. Magali era sua assessora de imprensa, acostumada a ocultar seus flertes e conquistas. Certamente era boa em ocultar a existência de rapazes vivos, mas não acredito que tivesse a mesma sorte com os não-vivos. E para a minha sorte, eu fazia parte do primeiro grupo! Talvez com aquele beijo, minha existência não fosse ser mencionada posteriormente. Será que nem mesmo em um caso de assassinato? Eu já podia ver as machetes: Uma grande estrela de cinema envolvida com dois homens e um assassinato. Quem dera se fosse eu o morto! Certamente não teria essas preocupações. Pelo menos a visita de Magali me dera uma chance!

Eu estava com o corpo todo apoiado naquela porta, bloqueando completamente a passagem. Sentia a maçaneta pressionar minhas costas, e o corpo de Loreta pressionando o meu peito. Não sabia se ela imaginava o que eu faria a seguir, mas seus olhos demonstravam tamanha certeza, que aos poucos me convenciam: não havia escapatória. Loreta riu levemente quebrando o silêncio, uma risada encantadora e cruel. Ela passou seus dedos levemente em meu rosto, se aproximando ainda mais de mim. Peguei a sua mão com firmeza e a afastei. Seus olhos se arregalaram, sua respiração ficou ofegante. Era a primeira vez que via algum traço de vulnerabilidade nela. Para sua surpresa, abri a porta, dizendo: "Vá fazer o seu show, que eu farei o meu." Pensei em ter visto um olhar de gratidão, mas aquele momento fora tão breve, que talvez tenha sido apenas invenção da minha mente cansada. Estava exausto.

Loreta saiu, não tão rápido, e nem tão devagar. Não sabia o que ela iria fazer, mas assumi que ela faria o que havia mencionado: criar uma distração fingindo que passava mal. Não fazia diferença, lá estava eu, sozinho, no camarim de uma das maiores estrelas do cinema, prestes a finalizar um crime. Caminhei até a saleta, observei o corpo por algum tempo, foram poucos segundos, mas pareceu uma eternidade. Tive o ímpeto de virar sua face para cima, descobrir de quem se tratava, mas fazer isso, ou até mesmo pensar sobre isso me atrasaria. A ideia de arrastar seu rosto contra o chão me parecia muito desrespeitosa. E toda a ideia de arrastá-lo por aí me parecia repugnante quando eu pensava melhor. Peguei um dos casacos de Loreta, cobri minhas mãos e segurei nos braços do morto. Arrastei-o até a sala principal. Não era tão difícil quanto parecia, o terno deslisava com facilidade pelo piso. Soltei-o por um instante. Do ponto onde estava conseguia ouvir Loreta. Não era capaz de entender o que falava, mas o desespero e a fragilidade de sua voz eram notáveis. Ela poderia estar me salvando, ou me condenando. De toda forma, parecia ótima, formidável. O que quer que estivesse fazendo parecia funcionar. Respirei fundo, agora era a minha vez.

O teatro estava mal iluminado, praticamente vazio, provavelmente sem nenhum espectador curioso que quisesse tentar sua chance e pegar um autógrafo com Loreta Ferraz. Apenas eu, um curioso promovido a protagonista. Virei um corredor a direta, ouvindo a voz de minha musa pela última vez. Caminhava com certa dificuldade, tentando prender a respiração em certos momentos do trajeto. Cada sombra que eu avistava era um novo susto. À cada novo ruído me subia um pânico, então eu parava e percebia que os ruídos eram os meus próprios passos. Não encontrei ninguém no caminho. Arastara aquele corpo miserável até a saída dos fundos triunfantemente. Arrastara o meu corpo miserável até a saída dos fundos. O morto? O deixei no camarim, bem no meio dele, coberto pelas roupas de Loreta. Aproveitei também para trancar a porta. Assim, quem quer que tentasse arrombá-la daria de cara com o corpo. Pobre homem, que destino tivera!

Atravessei tranquilamente a saída dos fundos, experimentando um alívio quase sádico enquanto rodava entre um dos dedos a chave do camarim. Acabei jogando-a num bueiro qualquer, só para dar mais trabalho para aquela mulher. Peguei um táxi. O motorista tentou puxar conversa, mas eu permaneci calado. O que falaria? Me sentia culpado. Talvez devesse ter tentado alertar alguém sobre o crime. Talvez acreditassem em mim, não nela... Mas como não havia nem sequer olhado a cara do sujeito, talvez o que fiz fosse mesmo a melhor opção para incriminar Loreta sem me envolver legalmente em tudo isso. Em casa, sentei numa poltrona da sala, remoendo tudo o que acontecera, ninguém nunca acreditaria em mim. Era melhor, seria como se eu nunca houvesse estado lá.

No outro dia, as manchetes nos jornais: "Com porta arrombada e cadáver no chão, camarim de Loreta Ferraz passa por perícia", " Após apresentação de sucesso, cadáver é encontrado em camarim de grande atriz", "Nome de Loreta Ferraz é envolvido em suposta tentativa de sequestro e assassinato". As matérias tentavam mais ou menos, a medida do possível, tratá-la como inocente. Loreta usara a versão do bandido que havia tentado a sequestrar e acabará matado um pobre fã inocente no caminho. Embora ela fosse convincente em sua performance aos olhos do grande público, havia incongruências em sua história. Ela por exemplo, não sabia explicar onde estava a chave de seu camarim e por qual motivo o bandido decidiu trancar a sala mesmo depois de a ter deixado escapar. Agora a polícia estava investigando o pobre coitado do morto. Era um anônimo, diferentemente do que eu imagina. Não li muito sobre ele, me revirava o estômago.

Uma das fotos publicadas nos jornais do dia mostrava a cena do crime em seu caótico explendor: roupas femininas espalhadas por todos os lados, cartas de fãs entreabertas e por abrir, e uma foto de Loreta, pousada dramaticamente no chão, talvez por algum repórter que tentava uma foto mais "artística". A mulher da foto sorria vitoriosa, muito diferente de sua contraparte do mundo real. E o autógrafo extravagante e exibido daquela diva era seguido pela simples dedicatória: para o querido Gabriel. Aquele erro me fez gargalhar. Maldita Loreta ! Era mesmo como se eu nunca houvesse estado lá.

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