Vermelho

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Para Grace Young não era incomum ver todo aquele sangue.

O pronto socorro estava movimentado como sempre. A jovem de jaleco branco passeava pelos extremos, observando tudo e todos com um certo desinteresse que acreditava não ser digno de sua posição ali. O relógio de ponteiro posicionado em uma parede atrás do grande balcão de atendimento marcava exatas 1 da manhã. Era 25 de dezembro, feriado de natal. A decoração natalina ali era totalmente deprimente, como todo hospital. Um mini pinheiro de plástico posicionado na entrada do prédio havia caído, graças à uma maca com um paciente gravemente ferido que havia passado ali minutos atrás. Ninguém fez menção de reergue-lo. Grace olhou para a árvore e revirou os olhos.

Novos pacientes brotavam a cada minuto, em acidentes típicos de finais de ano: mobilisticos, incêndios, afogamentos e por aí vai. Absolutamente nada trazia alguma lufada de novidade na garota, tudo virara rotina. Na verdade sua cabeça estava em outro lugar, imaginando a reunião anual da sua família. Obrigada a cumprir seu estágio em enfermagem, esta era a primeira vez em que ela não participava de uma reunião familiar e apesar de todo ano ser a mesma coisa, a sensação de estar perdendo algo era grande. Bom, pelo menos ela havia se livrado das suas tias curiosas e não precisava comprar nada para o amigo secreto. Havia se livrado de tudo isso para ver... sangue.

O paciente que surgiu na maca empurrado por dois paramédicos, estava com a blusa manchada em vermelho vivo e seu rosto coberto de suor. Seu corpo se contorcia em espasmos e ele respirava com dificuldade.

"Ele foi esfaqueado!" Um dos paramédicos gritou, o olhar urgente concentrado no corredor que dava para a ala de cirugia emergencial. "Está perdendo muito sangue e precisa ser levado às pressas para a cirugia!"

"Algum órgão foi perfurado?" A garota se encontrou perguntando, enquanto observava a cor vermelha na camisa do homem que provavelmente estava na mesma faixa de idade dela e que de alguma maneira lhe era familiar. Salivou por um instante, com a cor vermelha brilhante, mais brilhante que as bolinhas vermelhas que decoravam a pequena árvore de plástico. A cor era hipnotizante. Os ferimentos, horríveis. O paramédico não lhe respondeu, empurrando a maca pelo corredor e sumindo da sua vista. Atônita, a garota se encostou no balcão de atendimento e mordeu com força seu lábio inferior. Sentiu o gosto metálico se espalhar na boca. Vermelho, mais uma vez. Uma cor que predominava no natal e naquele lugar.

Grace ajeitou seu jaleco e decidiu que ia se esgueirar pelo prédio para conseguir alguma informação a respeito do paciente esfaqueado. Entrou no corredor no mesmo segundo em que seu celular apitou no bolso. Parou para conferir pela primeira vez desde que entrara no seu plantão. A todo momento, o aparelho emitia o som de notificações, sons que ela ignorava por achar que se tratavam de coisas relacionadas ao feriado familiar. A maior parte das notificações se tratava deste assunto mesmo. No entanto, também haviam várias chamadas perdidas da sua mãe acompanhadas de mensagens na caixa postal e de texto.

MÃE: Grace, por favor me atenda. Aconteceu algo horrível.

MÃE: FILHA ME ATENDE POR FAVOR. O DAVID, NAMORADO DA SUA IRMÃ FOI ESFAQUEADO AQUI DENTRO DE CASA.

MÃE: GRACE, EU NÃO SEI O QUE FAZER.

De repente, a conexão. O homem ferido de aparência familiar se tratava do namorado da sua irmã e ele foi ferido dentro da sua casa. Ela discou o número da mãe na hora. Ela atendeu no terceiro toque.

"Grace, eu não sei o que fazer." A voz dela tinha um tom de desespero. "A Yohanna estava brava com ele porque ficou sabendo que a ex namorada estava lhe mandando mensagens e aí o seu pai estava perto e também tinha bebido, então ele tinha uma faca e-" Ela fez uma pausa, uma pausa que durou uma eternidade para a garota. "Ele esfaqueou o David, filha. Ele matou ele!"

"Ele não está morto!" Replicou ela em um tom tão desesperado quanto o da mãe. Não percebera que também havia entrado em pânico e que suas mãos começaram a tremer "Acabaram de trazer ele para a emergência. Ele estava respirando."

"Ah, graças a Deus!" Ela soltou um suspiro. "Mas eles brigaram feio. Seu pai também se feriu, mas não tanto quanto David. A polícia acabou de chegar aqui. Yohanna vai assumir o crime."

"O QUE?" Sua voz saiu em um grito.

"É a única alternativa, Grace. Nós escondemos o seu pai na cabana do outro lado da cidade e Yohanna vai inventar uma história dizendo que se precipitou e atacou seu namorado-"

"Mãe, cala a boca." Ela disse entredentes, sentindo sua cabeça rodar. Ela não devia estar falando aquilo, ainda mais pelo telefone.

Grace deixou a mãe falando sozinha e olhou para o corredor. Uma outra enfermeira estagiária passou na sua frente e a cumprimentou com a cabeça. Ela desligou o aparelho e caminhou até a sala de cirugia, onde David estava. Conseguiu entrar no lugar com facilidade e observou os médicos trabalhando, tentando a todo custo fazer com que aquele homem sobrevivesse, mesmo que sua frequência cardíaca estivesse baixa e ele tivesse perdido muito sangue. Grace cruzou os dedos, suplicando em pensamento para alguém que ela não sabia exatamente quem era para que David sobrevivesse aos ferimentos e salvasse de alguma maneira aquele natal que começou entediante e que havia se tornado desastroso ao ponto de ser fatal. Era a sua primeira vez ali passando um feriado no trabalho e algo tão inusitado acontecia.

"Ajude Hannah a fazer o monitoramento das máquinas, senhorita Young" Um dos doutores lhe instruiu, antes de sair do quarto em que colocaram. A estagiária assentiu, olhando com certo nervosismo na direção de Hannah, enfermeira efetivada que era conhecida pela prepotência.

"Vocês estagiários, tem que aprender a ouvir mais e falar menos." Começou ela, enquanto checava os tubos e as máquinas pelas quais David estava conectado. "Nada muda neste hospital. Estagiários incompetentes conseguem uma vaga aqui e no final tudo sobra para quem?"

Grace se desligou daquele sermão e observou o paciente. Ele estava respirando com a ajuda de aparelhos. A roupa ensanguentada havia dado lugar a uma faixa branca que cobria o seu peito. Seu rosto estava um pouco mais corado e a máquina que registrava seus batimentos cardíacos produzia um bip contínuo. De repente pensou em como aquele ser humano na sua frente era praticamente um integrante da sua família, mesmo que ela não o conhecesse direito. A sua irmã tinha um temperamento forte, mas nunca seria capaz de fazer mal a alguém. Seu pai seguia  a mesma linha. Na verdade, a única ovelha negra da família era Grace. Foi ela que fugiu de casa com 16 anos, que matava as aulas para usar drogas e coisas do tipo. Era ela que adorava se arriscar e se entediava  com facilidade. Era ela quem resolvera estar em um hospital e assistir de camarote alguns extremos da vida. Ninguém ia engolir a história de que a irmã havia atacado o namorado, nem que o pai havia feito o que fez para proteger a filha.

Mas talvez acreditassem se fosse Grace Young.

No momento em que Hannah saiu da sala, avisando que voltaria dentro de quinze minutos, a garota olhou com afinco para a figura repousada na cama hospitalar. Suas mãos tinham vida própria e puxaram os tubos de oxigênio que estavam no nariz do garoto. Em questão de segundos, o monitor de frequência cardíaca começou apitar irregularmente.

"É um natal estranho, David." Sussurrou, deixando os pontos recém feitos na pele do paciente expostos e passando a ponta dos dedos sobre eles. Ele começou a respirar com dificuldade, os olhos ainda fechados. "Eu não queria me envolver, mas acho que nunca fui uma boa menina. Papai Noel deve me odiar desde sempre. Então por que não? Vamos salvar a pele de alguém interpretando o papel na qual sempre fui submetida. A de culpada."

No momento em que disse isso, começou a desfazer os pontos recém costurados na pele avermelhada e inchada do namorado da irmã. Um jato de sangue quente manchou as suas mãos. A garota salivou novamente, observando o corpo desfalecer aos poucos, na sua frente.

Era um natal estranho. E Grace Young se sentia vermelha dos pés a cabeça.

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