𝟰𝟲. 𝗔𝗦 𝗦𝗛𝗔𝗗𝗢𝗪𝗦 𝗙𝗔𝗟𝗟

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— Kallias! — Viviane gritou, seguindo o marido e parceiro.

Todos presentes na sala entraram em estado de alerta, vendo Eris contorcer contra o frio que congelava a sua capacidade para gerar fogo.

— Foi você quem os avisou, não foi? Foi você quem trouxe os inimigos para a minha terra, para o meu território? — O Grão-Senhor apertou os dedos gelados contra a garganta de Eris, que grunhiu raivosamente.

O fogo de Eris ameaçou irromper dele, mas o herdeiro permaneceu quieto. Rhysand deu um passo para frente, mas Feyre o impediu de continuar. Lucien encarou os dois em posição defensiva, como se estivesse preparado para qualquer coisa que pudesse acontecer envolvendo seu meio-irmão.

— Isso é a porra de uma guerra, Kallias! — O filho de Beron gritou entredentes, o olhando com labaredas queimando os olhos avermelhados. — Acha que se eu tivesse os avisado já não estaria longe daqui?

Kallias respirou profundamente, o gelo tornando os olhos azuis ainda mais vivos e brilhantes.

— Se estão em navios já estão seguindo rotas a dias! — Eris esbravejou, os dedos faiscando aquele fogo potente da Outonal. — Lucien e Rhysand me alertaram dessa reunião ontem.

Kallias direcionou o rosto para Rhysand, seguido por Lucien.  Os dois acenaram positivamente, confirmando a informação do herdeiro de Beron. O Grão-Senhor da Invernal grunhiu, enquanto os guardas continuavam apontando as lanças pontudas para o pescoço de Eris.

O cômodo estava gelado, mais gelado do que antes. O frio era capaz de cortar seus ossos. Gwyneth percebeu que apesar do rosto amigável, Kallias tinha uma raiva gélida que a fazia desejar nunca tirá-lo do sério.

O Grão-Senhor afrouxou o aperto no pescoço de Eris, o herdeiro ainda tinha os olhos quentes e os dedos rodeados pelo fogo, mas não reagiu. Era um homem inteligente o suficiente para saber que precisava conquistar a confiança dos demais.

— Você sabia que no momento que Beron declarasse guerra contra a Diurna estaríamos suscetíveis a ataques, Kallias. — Rhysand alertou, dando passos lentos, as mãos na altura do peito, como se tentasse apaziguar o ódio gélido. — No momento em que declaramos apoio a Helion e sua Corte.

— Rhysand está certo — Tarquin também deu um passo em direção ao embate. — Não há tempo para isso, precisamos nos unir agora, pelo seu povo e pela proteção da sua Corte.

Kallias olhou todos. Um por um. Gwyneth conseguia escutar o som do gelo craquelando em seus dedos, deixando a garganta de Eris vermelha onde o Grão-Senhor fazia questão de queimar o herdeiro.

— Kallias...

Viviane ergueu o queixo, a coroa de espinhos congelados reluziu contra a luz do sol que passava pela janela aberta. O macho encarou a esposa, e depois voltou a olhar para Eris. O Grão-Senhor o soltou, deixando-o cair de joelhos enquanto tossia e levava a mão até a garganta.

— Se eu descobrir que nos traiu... Irei congelá-lo e jogá-lo nas profundezas mais escuras do oceano, está me escutando? — O Grão-Senhor da Invernal rosnou, cerrando os olhos para o herdeiro.

Apesar dos olhos frios, o olhar de Kallias aparentava arder. Gwyneth não duvidava que aquilo era possível, afinal, gelo também queimava de certa forma, e às vezes deixavam marcas muito piores do que o fogo. Os traços vermelhas de seus dedos na garganta de Eris provava aquilo.

Os guardas de Kallias e Viviane se retraíram de volta para a suas posições.

— Temos que subir o escudo. — Rhysand os lembrou, cortando a tensão que existia no grupo. — Isso irá os atrasar um pouco e impedir que ataquem a cidade de longe.

Dois baques surdos no chão no mesmo momento. As lanças dos soldados de Kallias anunciando a entrada de alguém.

Um guarda do exército entrou na sala com mais outros dois atrás, reverenciando todos os Grão-Senhores e voltando à posição impecável depois. Usavam armaduras prateadas, com um brasão de urso branco em um dos ombros, um capacete brilhante no formato do focinho do mesmo urso protegiam suas cabeças e tampavam parte da região entre a testa e o nariz, deixando apenas seus olhos amostra.

Viviane acenou permitindo que os cavaleiros dessem a notícia.

— Dois navios vindo pelo norte. — O do meio avisou com a voz grave retumbando pelo ambiente. — Pelas bandeiras nas caravelas aparentemente pertencem à Vallahan e Rask.

— As tropas já estão marchando e se posicionando nos devidos lugares. — disse o guarda ao lado do primeiro, complementando o soldado. — Os arqueiros estão prontos e os cavalos separados para atender aos convidados dos senhores.

Kallias agradeceu aos guardas e os dispensou para voltarem para as suas posições. Gwyneth suspirou, se sentindo aflita. Azriel ainda não tinha voltado, e não havia um sinal de que Cassian tinha conseguido alcançá-lo.

A corneta soou novamente, avisando-os que o derramamento de sangue estava próximo. O General dos Vikarianos voltou para o salão, silenciosamente avisando para Kallias e Viviane que as preparações para a batalha já haviam começado, os Grão-Senhores desviaram os olhos para os convidados e companheiros governantes.

— Montaremos os escudos. — Kallias jogou uma rajada de vento cortante no ambiente, abrindo todas as outras três portas do salão de reuniões, revelando as varandas do cômodo. — Juntos.

Rhysand concordou com a cabeça, desviando o olhar para Nestha.

— Nestha, siga o General dos Vikarianos, ele indicará um lugar para que você, Emerie e Gwyn possam se armarem e prepararem seus cavalos. Sigam as tropas dele.

A sua melhor amiga concordou com a cabeça, virando-se para ela e Emerie, que apenas acenou positivamente. Mesmo hesitante, a sacerdotisa ergueu a cabeça e se preparou para seguir o enorme Vikariano que encarava as três valquírias com os olhos azuis cintilantes.

Mas antes que pudesse de fato seguir Nestha e Emerie, Gwyn sentiu o laço em seu peito repuxar e se apertar. Ela parou de andar, levando a mão ao peito, Nestha também paralisou como se sentisse que algo também havia acontecido com Cassian. As duas trocaram olhares complacentes.

Não teve tempo para compreender a sensação, pois Cassian voltou passando pela varanda aberta e atravessando o salão com as asas grandes abertas.

Sozinho.

Sem Azriel.

Gwyneth sentiu o chão abrir em seus pés ao notar as feições de Cassian ao pousar, sentiu o mundo parar ao notar a armadura de ébano mais trabalhada em seu corpo suja de sangue, como se tivesse atravessado um mar vermelho. Nestha correu em direção ao parceiro, mas o rosto do General ainda estava pálido quando envolveu a esposa nos braços, desviando os olhos avelãs para Gwyn.

— Não consigo achá-lo... — murmurou no instante que Nestha se afastou, checando os arranhões no seu rosto. — Não consigo achá-lo... Acho que se camuflou entre as sombras...

O coração da sacerdotisa se apertou, e ela sentiu que cairia de joelhos no chão se não tivesse se apoiado na parede. Suas mãos tremiam e suavam, mesmo no gelo que a envolvia. A única coisa que a permitia saber que Azriel ainda estava vivo era aquele laço em seu peito, mas aquele puxão de antes... Aquela súbita mudança na maneira em que seu coração batia.

Seu parceiro estava em perigo. Ela sabia. Sentia.

— São dois navios abarrotados. — Cassian engoliu em seco, ajeitando a postura, o braço ainda envolvendo Nestha. — E mais uma legião enorme de ardamors. Creio que sua guarda da fronteira tenha sido abatida, Kallias...

A voz do General era baixa. Gwyneth já conhecia o seu treinador o suficiente para entender suas expressões, e no momento, Cassian não falava como o General, mas sim como um irmão preocupado.

— Eles estarão aqui em alguns minutos... — continuou, voltando os olhos para Rhysand. — Precisam subir as barreiras.

— Ele ainda está lá fora! — Gwyneth se viu dizendo, sua voz falha fez com que Nestha e Emerie caminhassem em sua direção. — Precisam... Precisam segurar um pouco mais... Precisam... — olhou para Rhysand, sentindo seus olhos arderem. — Por favor!

O seu Grão-Senhor olhou para ela com pena e dor. Ela sabia que Rhysand não queria fazer aquilo, que queria esperar o irmão, mas os seus olhos azul-violetas brilhavam naquela determinação que Rhys só trajava quando precisava ser o Grão-Senhor.

— Não há tempo... — sussurrou, o tom de sua voz era tristonho. — Terá que confiar nas habilidades de Azriel, Gwyn. — Rhysand a olhou, tentando passar confiança para a valquíria. — Precisará confiar nele e no guerreiro que ele é.

Gwyn negou com a cabeça desesperadamente, engolindo em seco, quase implorando para que tivessem piedade da sua alma, para que a dor fosse embora quando viu o desespero implícito no rosto do General.

Mas não havia tempo. Não havia tempo para que ela pudesse tentar se recuperar do que aquilo poderia significar, não havia tempo para o seu desespero e nem para as lágrimas que escorriam em suas bochechas.

A guerra não esperava.

A morte nunca esperava.

E Gwyneth teve certeza disso quando sua Grã-Senhora acenou para Nestha, em uma ordem silenciosa para que ela seguisse o líder dos Vikarianos, para que pudessem se preparar, para que pudessem empunhar suas espadas e proteger aqueles que ainda podiam se proteger.

Teve certeza que a guerra não esperava, quando sua melhor amiga a encarou e silenciosamente a ajudou a engolir aquilo para que pudessem descer em direção a batalha que se aproximava. Tentou se segurar ao apoio que Emerie e Nestha davam a ela, mas o seu coração ainda estava apertado enquanto se dirigia para o enorme corredor, enquanto descia as escadas do palácio.

Seu coração ainda batia aceleradamente quando sentiu o poder de todos os Grão-Senhores envolver a cidade aos poucos, quando se moveu para o caos do lado de fora e para as tropas que se movimentavam, quando encarou aquelas montanhas de gelo.

Quando aquele laço brilhou em seu peito, como se pedisse para que ela segurasse, como se pedisse para que ela o envolvesse.

E ela segurou. Segurou firmemente, com um único pensamento ecoando pela mente agitada:

Vou te achar. Vou te achar. Vou te achar.


𓆩*𓆪


Eram muitos deles. Muitos que se acumulavam e salivavam com a possibilidade de desmembrar a capital da Corte Invernal. Um batalhão que se estendia aos poucos... E o encantador sabia que muitos deles não estavam se importando com sua presença ali, sabia que ele sozinho não era capaz de distraí-los do objetivo que seu mestre havia traçado para eles.

Seguiriam para a Corte. Ratejariam seus corpos gosmentos e sombrios por aquela neve e começariam o trabalho para aqueles navios que chegavam cada vez mais perto da costa.

Mas alguns deles... Alguns deles estavam focados nele.

Alguns queriam ele, como se o Mestre-Espião fosse algum tipo diferente de desafio.

E os Sifões de Azriel já pediam um tempo para poder acumular seu poder novamente. Ele tentou atravessar, mas suas sombras estavam cinzentas e dispersas, exaustas com a quantidade de poder que acumularam para protegê-lo.

Azriel sabia que no momento em que o brilho azul envolvendo sua espada sumisse, ele já não teria mais nada capaz de causar estrago naquelas criaturas. O brilho e o poder de seus Sifões não era nem de longe comparado com o poder que corria nas veias de sua parceira, não os queimava da mesma maneira que Gwyneth queimava, não os transformava em pó com um mero toque.

No máximo cortavam suas carnes podres e gosmentas, no máximo os repeliam para que não chegassem perto demais dele. Mas aquilo não fôra o bastante para evitar que cortassem sua pele ou que ferissem seu rosto. Não. Aquilo não os impediu de arrancar sangue de seu corpo.

E os cortes daquelas garras negras... Os cortes queimavam como veneno, e doíam como a ferida de uma lâmina bem afiada. O encantador havia entrado floresta adentro, tentando desviá-los da rota para cidade, tentando trazer pelo menos parte deles para longe da Corte.

Azriel voava por entre as árvores em certa velocidade, desviando com precisão dos galhos e dos troncos, soltando rajadas azuis de seu poder naquelas criaturas que se esgueiravam nos galhos, saltando em sua direção quando passava por eles, forçando suas asas a funcionarem corretamente.

O encantador sentiu aquela dor latejante na cabeça, que sempre sentia quando estava perto daquelas coisas, como se algo na essência delas mexesse com a dele. E por um momento aquela dor se tornou pungente o suficiente para fazê-lo grunhir, se distraindo em seu voo.

Foi tarde demais para recuperar o equilíbrio perdido, e o encantador sentiu seu corpo ser jogado para longe quando uma daquelas bestas saltou em suas costas, fazendo o cair em direção ao chão branco e gelado da floresta. Seus corpos se arrastaram pela neve devido ao impulso, fazendo-o rolar pelo chão com aquela criatura se enrolando em volta de seu torso e pernas, arranhando seu couro e perfurando-o.

Azriel grunhiu alto, sentindo o corpo parar aos poucos, dando vantagem para a besta e para as outras que o cercavam. O Mestre-Espião rosnou quando sentiu as garras tentarem passar pelo seu rosto, atingindo ele de raspão por pouco devido a rapidez que desviou. O corte perto de sua boca ardeu como fogo, fazendo-o grunhir ao se arrastar na neve, Azriel observou seu próprio sangue manchar a textura gelada e branca debaixo dele, seus Sifões já não funcionavam, voltando a recuperar o poder que já haviam gastado.

Teria que se virar agora, mesmo sabendo que era impossível vencer aquelas coisas com uma espada normal.

A vantagem era que não estavam tentando matá-lo. Havia percebido isso há um tempo. Mas, Azriel não tinha certeza se o que planejavam fazer com ele era melhor que a morte.

O embate servia mais para cansá-lo e esgotar suas forças, do que machucá-lo ao ponto de sangrar até a morte.

Seus dedos já estavam dormentes devido ao frio, já que usava a mão para se arrastar, forçando a se ficar de pé enquanto a criatura enrolava os dedos finos em sua canela, o puxando para trás. As pedras em seu corpo piscaram, ao mesmo tempo em que suas sombras o envolveram, um sinal de que faltava pouco para que ele pudesse usar seu poder novamente.

Azriel se pôs de pé, sentindo todos os músculos do seu corpo gritar por clemência. Ele puxou a outra espada, sentindo o couro molhado da neve grudar em seu corpo quando se movimentou para desviar de mais um ataque. Abaixou o olhar para o Sifão em seu peito, rezando mentalmente para que ele já tivesse conseguido acumular poder o suficiente para o que estava prestes a fazer.

Aquilo o esgotaria. Aquilo poderia o matar. 

Aquilo o deixaria exausto, mas era a chance que tinha para pelo menos machucá-los o bastante para que pudesse voltar antes que a barreira se fechasse por completo.

Ele se pôs a correr, os passos com tensão necessária para não escorregar naquele amontoado de neve. Desviou das garras que conseguiu desviar, se pondo a voar quando as criaturas desistiram de sua forma comum e começaram a rastejar naquele líquido nanquim e pegajoso.

Vamos. Vamos.

O encantador cerrava os dentes à medida que via o domo da magia dos Grão-Senhores descendo aos poucos para proteger a cidade. Sua cabeça latejou novamente, fazendo-o fechar os olhos com a pontada que o atingiu na têmpora. A dor foi tanta que sentiu que tinha sido golpeado.

Curve-se.

Aquela voz que o atormentava ecoou em sua cabeça, arrancando um grunhido de sua garganta.

Junte-se a mim, Encantador de Sombras.

A voz arcaica reverberou em sua mente, causando outra pontada de dor em sua têmpora.

Sua visão se tornou turva, o que fez com que ele piscasse rapidamente, tentando manter o foco nas árvores que tinha para desviar e nas bestas que tentavam o alcançar saltando dos galhos. Enquanto isso, o enxame de ardamors seguia em passos largos e velozes embaixo dele, atingindo quase a mesma velocidade dele. Precisava de seus Sifões, precisava que seu poder se restabelecesse logo... Ou... Ou não sabia o que faria.

Você pertence a mim.

Sua respiração se tornou mais pesada, sua visão mais embaçada e escurecida. Sentiu seu corpo perder o equilíbrio no ar, e no instante que se preparou para se ajeitar, para se recuperar... Já era tarde demais. Ele já caía de volta ao chão, sentindo que perdia o controle da sua mente, sentindo que aquela voz contaminava cada canto sombrio em sua cabeça, se arrastando em um nevoeiro negro.

O Mestre-Espião fechou as asas quando bateu na neve, bem no meio do núcleo das bestas, grunhindo com o impacto. Seu peito subia e descia rapidamente, tentando achar algum resquício de ar para ser puxado. Azriel se forçou a levantar, mas as mãos geladas e enormes daquelas criaturas foram mais rápidas, envolvendo suas pernas e seus braços, o prendendo no chão.

O encantador desviou os olhos para o líquido negro que o colava ao solo da floresta, impedindo seus movimentos. Azriel se debateu e cerrou os dentes com força, respirando pesadamente, impedindo o berro de dor que quis romper de dentro dele quando as garras fincaram em seus braços, rasgando o couro e a sua pele, deixando seu sangue escorrer pelas frestas rasgadas. A gosma preta que aquelas criaturas conseguiam se transformar se arrastou por seu torso em direção ao seu rosto. Sua visão escureceu outra vez, o que fez com que o encantador se debatesse novamente, espremendo os olhos com força e tentando de todas as formas fazer com que sua mente voltasse a funcionar corretamente, tentando obter o controle de seu corpo de novo.

Curve-se.

Você pertence a mim.

Azriel rosnou quando o gelo daquela matéria pegajosa e podre tocou seu pescoço, apertando-o. A única coisa que conseguia mover eram os olhos, e os desviou para seus Sifões no momento em que uma das bestas em suas formas demoníacas se materializou na sua frente, deslizando a língua grande e preta para fora da boca. Sentiu a cabeça da criatura se aproximar de seu rosto, a saliva pingando em sua bochecha. O encantador se debateu uma outra vez, desviando quando a criatura arreganhou os dentes pontudos, o cheiro de morte e carne podre tomando suas narinas.

Ele bufou, respirando fortemente. Seu peito se apertou, se apertou até que se tornasse quase impossível respirar quando aquela voz tomou sua mente de novo. Azriel fechou os olhos, tentando controlar a respiração ao sentir a gosma líquida passar pela sua bochecha e deslizar para perto da sua boca.

Você pertence a mim, Encantador de Sombras.

Eu estive esperando por você...

Sua mente se tornou ainda mais nebulosa à medida que aquela coisa se arrastava, tomando seus membros e congelando seus músculos. Mas, Azriel se negou, se negou a deixar que aquilo tomasse controle de sua mente, que aquela voz... que aquele monstro preso em um lago a quilômetros de distância dele vencesse aquela luta.

Seu peito se apertou de novo quando trincou o maxilar, tentando impedir que aquela besta o dominasse e o possuísse. E quando o laço no centro de seu tronco o comprimiu, ele respirou fundo mais uma vez e se concentrou, sentindo o puxão do outro lado, sentindo a firmeza que o segurava para se manter são.

E foi nisso que focou. Foi no brilho em seu peito, foi na imagem de sua parceira que Azriel se segurou...que Azriel forçou a projetar em sua mente, no segundo em que seu poder cantou dentro dele, no instante em que seus Sifões piscaram em sincronia.

Foi na firmeza do laço do outro lado que o encantador se segurou quando rugiu o mais alto que pôde acumulando o grau absoluto de poder que corria em seu sangue, foi na imagem de sua parceira que se sustentou quando deixou o máximo de poder irromper de seus Sifões, explodindo em energia azul.


𓆩*𓆪


A sensação de estar dentro de uma armadura era nova. A sensação de estar andando em cima de um cavalo e se posicionando ao lado de uma tropa de soldados era ainda mais inquietante.

Gwyneth puxou as rédeas com certa pressão, fazendo o animal branco com manchas pretas debaixo dela se retrair, parando ao lado de Nestha e Emerie. A sacerdotisa ergueu a cabeça no momento em que Cassian sobrevoou acima delas, as asas grandes formando sombras no chão branco.

E ao erguer a cabeça ela conseguiu observar a fina energia que descia aos poucos, envolvendo e protegendo a Corte de Kallias. No alto do castelo, na varanda da torre onde a sala de reuniões se encontrava, Gwyneth conseguia enxergar seus Grão-Senhores, lado a lado, as mãos nas alturas dos rostos, as feições concentradas, focados em coordenar corretamente o poder que irradiava deles.

Os outros faziam o mesmo, e apesar da situação que se encontrava, era bonito ver a magia de todos se misturando.

No ponto mais alto, uma legião de arqueiros estavam posicionados, as flechas em posições de ataque. Gwyneth percebeu que as lanças não eram comuns, e que pareciam lâminas de gelo cortante nas pontas.

A corneta soou uma outra vez, um aviso de que estavam perto. Cassian aterrissou ao lado delas, as duas espadas gêmeas cruzadas nas costas, o escudo em mão e o elmo de asas de corvos protegendo seu rosto endurecido. Aquele exército que se posicionava atrás deles não era dele, aqueles machos que marchavam e urravam gritos de guerra em cima de cavalos não eram seus soldados, então hoje, Cassian era apenas General delas, era apenas mais um guerreiro disposto a lutar para proteger os desamparados.

Os guerreiros Vikarianos surgiram ao lado da outra tropa de Kallias, as lanças batendo no chão ao ecoarem o mesmo grito sincronizado, os rostos eram de uma selvageria quase anormal e aquilo fez com que um arrepio descesse por sua coluna, observando a determinação que brilhavam naquelas centenas de olhos, no jeito que as tranças balançavam ao vento, e na maneira em que pareciam ter nascido para estar em um campo de guerra.

Eles pararam quando o líder deles gritou para que se posicionassem, e no mesmo segundo, todos entraram em formação, alinhando seus escudos, os guardas do exército principal de Kallias fizeram o mesmo, esperando pela ordem daquele que seria seu comandante naquela batalha.

— Temos vantagem — Cassian murmurou, as expressões ainda sérias e a postura impecável. — Muito mais do que quantidade, às vezes o que garante uma batalha é o território que ela é travada.

Cassian encarou o batalhão atrás dele, observando o guerreiro Vikariano trotando em cima do seu cavalo para observar a organização da sua legião.

— Neve e frio sempre são um problema... — O illyriano voltou a encarar as três. — Mas não para eles.

— POSIÇÃO! — O Vikariano gritou, puxando as rédeas e encarando o seu exército. Os soldados gritaram gravemente ao juntar os escudos e formar uma barreira. — LANÇAS!

Todas as lanças se apontaram para fora em um movimento sincrônico que quase a fez escapar o fôlego. Nunca havia visto nada como aquilo. Nunca havia presenciado nada como soldados se preparando para uma guerra.

Mas por mais que seu corpo estivesse sendo tomado pela adrenalina naquele momento, Gwyneth voltou o olhar para a paisagem que se estendia à sua frente, no campo nevado livre e na floresta a alguns quilômetros dali. Seus olhos arderam novamente, ao observar os poucos metros que faltavam para que a barreira fosse completamente fechada.

Seu peito deu um nó, fazendo seu estômago revirar. As lágrimas ameaçaram arder os seus olhos outra vez. Gwyneth engoliu em seco, sentindo seu coração acelerar contra suas costelas, batendo fortemente.

Seu cavalo relinchou debaixo dela, dando alguns passos para trás, parecendo inquieto. Os de Nestha e Emerie também trotaram de leve para trás, fazendo com que Cassian segurasse a rédea daquele que sua parceira montava quando este ameaçou empinar, firmando-o.

Foi só quando voltou a olhar para frente que notou o motivo da inquietação dos animais. Um mar negro das bestas de Koschei surgia de longe no campo branco. Era impossível não endurecer com a visão, era impossível não se arrepiar com os urros animalescos e agudos que retumbavam pelo campo aberto e se aproximava a cada mísero segundo que se passava.

Gwyneth firmou as mãos nas cordas, tentando arrumar algo para se apoiar. Eram muitos. Não centenas, mas muito mais do que isso. Uma legião inteira, pronta para despejar sangue, para massacrar a carne e a pele daqueles que se colocarem à frente deles.

Era questão de minutos para a barreira tocar o chão, questão de segundos para que aquilo os segurasse por tempo até aqueles navios desembarcarem na costa gelada. O coração da valquíria bateu mais fortemente, fazendo com que o ar faltasse em seus pulmões.

Gwyn levou os olhos para as amigas, e depois para a energia dos Grão-Senhores que se estendia para baixo, para as bestas que se aproximavam. O laço em seu interior se espremeu, quase a sufocando.

A mente da sacerdotisa se tornou nebulosa, a dor se tornou quase tangível e os dedos tremeram com o gelo que atravessou aquela armadura, com o gelo que não assolava diretamente o seu corpo.

Ela voltou a encarar Emerie do seu lado, e no momento em que a amiga a encarou, foi como se tivesse entendido de imediato, pois suas feições se tornaram uma mistura de espanto e preocupação.

— Gwyneth...

— Me desculpe. — sussurrou vacilante. Aquele laço em seu peito puxou do outro lado, o que fez com que sua respiração vacilasse.

A sacerdotisa observou o escudo de novo, engolindo em seco. Firmou as rédeas em sua mão e ajeitou a postura em cima da sela. Precisava ir. Precisava achá-lo.

Gwyneth foi impedida de se mover no momento em que as árvores da floresta distante balançaram para trás quando uma esfera de energia azul irrompeu com força do outro lado, jogando uma rajada de vento forte pelo campo, fazendo com que recuassem um pouco.

Azriel.

Sua respiração se tornou um caos. Cassian do seu lado empalideceu completamente.

Era questão de segundos para a barreira encostar no chão e os selarem no domo protegido, e Gwyneth não esperou para testar a sorte quando ajustou seus pés no estribo e bateu contra o corpo do cavalo que montava, gritando fortemente:

— Vá! Vá!

O equino deu um impulso para frente, empinando e cavalgando com velocidade, obedecendo seu comando.

— Gwyneth! — Nestha gritou, mas o som ficou distante à medida em que o animal se tornava cada vez mais veloz e ágil.

O som ficou distante quando a sacerdotisa se inclinou para frente e passou pela barreira fina de energia, antes dela se fechar no chão atrás dela, a deixando para fora do domo protegido e de cara para o exercito de bestas que arrastavam as pernas longas e os braços em direção à Corte de Kallias.

Mas não se atreveu a parar, muito menos olhar para trás. Ao invés disso, desembainhou a espada em suas costas e bateu as rédeas contra o pescoço do animal que dava a vida para alcançar a maior velocidade que podia, os cascos se afundando na neve fofa.  A sacerdotisa olhou para frente, absorvendo aquela centelha de coragem que corria em seu sangue e se apossava de suas veias como um antídoto.

Gwyneth sentiu seu fôlego escapar ao notar que estava cada vez mais perto do mar de bestas que se aproximava, que corria em e urrava para o cavalo que os alcançava. A sacerdotisa afundou profundamente dentro do seu âmago qualquer indício de medo ou fraqueza, afundou qualquer incerteza.

Deixando sua mente focar em apenas uma coisa: seu parceiro.

No laço que ainda brilhava em seu peito e repuxava do outro lado, no laço que envolvia seu peito e tomava cada parte de sua alma. Foi em Azriel que Gwyneth pensou ao deixar a pele se iluminar sob a armadura, foi em seu parceiro que Gwyn focou quando ajeitou sua espada em mão e cerrou os dentes, deixando aquele poder em suas veias difundir a traspassar seus poros, tomando suas mãos e se espalhando para a espada em sua palma.

Foi com ele no pensamento que a valquíria entrou no mar de bestas, varrendo aqueles que batiam contra seu cavalo, cortando a pele apodrecida daquela carne nanquim e pegajosa, transformando em pó e repelindo aqueles que chegavam perto demais do brilho que tomava seu corpo.

Seu cavalo relinchou de dor ao sentir as garras negras perfurarem seu couro, e Gwyneth se segurou quando o animal empinou, sendo tomado aos poucos pelo líquido negro. Gwyneth cravou a espada brilhante na criatura, a retirando rápido para acertar outro que chegava por trás, fazendo a besta e mais outras atrás recuarem.

O brilho que irradiava de seu corpo, esquentou todo seu peito, esquentou todos os seus membros enquanto ela se firmava em cima do animal. Gwyneth urrou ao notar outros se aproximando, rodando o braço em um golpe de espada que perfurou a cabeça de um deles, enquanto os demais seguiam de forma colérica e faminta em direção ao domo.

— Vamos, garoto, vamos! — Gwyn retirou a espada com força, antes da criatura se transformar em pó ao seu lado.

Trocou a mão que segurava a arma e levou a direita para as rédeas, fazendo um comando rápido para que ele continuasse em frente. O sangue do equino escorreu para o chão, manchando de vermelho a neve branca. Mesmo assim ele voltou a correr, limpando o caminho e se resetando toda vez que tentavam agarrar alguma parte do corpo robusto.

A sacerdotisa sentiu um impacto súbito em seu tronco, a jogando para fora da sela e a fazendo rolar contra a neve acumulada. Grunhiu ao sentir o peso daquela armadura, que apesar de amortecer o choque, deixava todos os seus membros mais pesados.

Gwyneth se levantou, dando de cara com um ardamor que se materializava à sua frente, a velocidade que os outros seguiam para a corte fez com que uma brisa assolasse seu corpo, fazendo seus cabelos balançarem. A sacerdotisa firmou os pés na neve gelada, sentindo-a derreter debaixo dela. A besta ficou tão alta que a valquíria precisou dar um passo para trás, sentindo aquela luz queimar em suas veias.

A criatura abriu a boca cheia de dentes afiados e podres, a língua negra grande saltando para fora quando emitiu aquele som agudo e estridente, fazendo com que ela travasse o maxilar. As garras fincaram no chão, enquanto as pernas longas praticamente rastejavam em sua direção.

Mas antes que o ardamor pudesse atacar, Gwyneth canalizou aquela luz e a deixou irradiar para fora de seu corpo. A besta se retraiu, recuando para trás, Gwyn firmou a espada em seus dedos e atacou, rasgando a carne podre e rodando seu corpo, acertando em cheio a outra que se a rondava por trás.

Escutou o relincho do seu cavalo, que continuava correndo, porém agora completamente perdido, tentando fugir das bestas que o interceptava com o objetivo de rasgar sua pele. O ferimento em sua perna ainda sangrava, deixando um rastro de sangue pelo caminho.

Gwyneth correu ao perceber que eram muitos prontos para atacá-lo, correu com rapidez, firmando os pés na neve escorregadia. Ela engoliu o pavor, ao abrir caminho com sua espada, cortando e rasgando o corpo pútrido daquelas criaturas, sentindo a adrenalina tomar cada parte dela, a impulsionando a lembrar de todos os treinos, de todas as vezes que Cassian e Azriel a corrigiram, de toda as vezes que repetiu os movimentos da espada, de todos os dias que passou madrugadas no ringue treinando sozinha.

Os músculos de seus ombros doíam, seus braços doíam devido ao peso da espada e dos golpes que desferia, mesmo assim se forçou a continuar, se forçou a lutar, se forçou a encarar aquilo com a coragem que havia engolido por tantos anos, com a força que ela agora sabia que tinha.

E quanto mais aquela luz brilhava, quanto mais aquela luz se expandia, Gwyneth sentia que poderia alcançar o céu a qualquer minuto se quisesse, se pudesse. Disparou em direção ao animal, guardando sua espada nas costas e tomando impulso o suficiente para alcançá-lo e segurá-lo em uma parte firme do arreio, sendo arrastada pela neve enquanto o cavalo corria para frente em direção à floresta.

Por um momento ela achou que não conseguiria, que despencaria no chão. Mas forçou seu corpo para cima com toda força que tinha, grunhido com o esforço. Gwyneth conseguiu passar seu corpo atravessado pela sela, e suspirou em alívio ao perceber que havia de fato conseguido. Se segurou nas rédeas de lado e girou o corpo, parando de frente para o pescoço do animal. A valquíria colocou os pés nos estribos e olhou para trás, para o mar de ardamors que continuavam a rota, fugindo daqueles que tentavam a alcançar.

— Boa, garoto! — gritou em pleno pulmões, batendo seus pés no torso do cavalo, que entendeu o comando e correu mais rápido.

Gwyneth agora galopava em alta velocidade, os cabelos balançando contra o vento. E quando finalmente entrou naquela floresta, ela desembainhou sua espada novamente, sentindo aquele laço repuxar e puxar, como se Azriel também sentisse sua presença.

— Azriel!

Berrou, sentindo suas cordas vocais arranharem. O peito se apertou de novo, como se a indicasse que caminho seguir, e Gwyneth não duvidou daquela intuição. Puxou as rédeas e seguiu para a rota que seu coração mandava, sentindo o sangue quente e pegajoso escorrer do seu supercílio.

Quanto mais perto chegava, mais Gwyneth notava o caos. As árvores pareciam queimadas, buracos com uma energia azul ainda cintilando por entre as madeiras. Galhos caídos e pó negro para todo lado, se misturando com as partículas no ar.

Quando achou que estava ficando louca, Gwyneth escutou um grunhido alto. Seus músculos congelaram no mesmo momento. Ela conhecia aquele som, conhecia aquela voz. Disparou, o cavalo debaixo dela seguindo os galopes que seu coração dava dentro de seu peito.

Seu parceiro.

— Azriel!

A sacerdotisa parou subitamente, saltando do animal no mesmo momento em que reconheceu a sombra, em que reconheceu as asas. Correu até o seu parceiro, que se arrastava na neve, deixando um rastro de sangue horrendo pelo caminho. Sua respiração se tornou cada vez mais irregular e a sacerdotisa achou que iria desabar no instante em que se jogou na depressão do chão que havia ali, encontrando Azriel se forçando a levantar no meio de árvores, galhos caídos e queimados com a energia de seus Sifões. Suas sombras estavam acinzentadas, mas ainda estavam ali, rodeando seu corpo e os destroços da floresta.

— Gwyn...

Gwyneth praticamente caiu até o parceiro, notando parte do couro rasgado e queimado, o Sifão em seu peito rachado. A sacerdotisa correu até ele, percebendo que sua perna estava quase que estropiada, um rasgo enorme no braço esquerdo, as marcas das garras fazendo com que fosse possível enxergar sua carne.

Ele se apoiou em um tronco de árvore, grunhindo e rosnando quando finalmente se pôs de pé. A sacerdotisa correu para ajudá-lo, segurando seu corpo robusto quando cambaleou para frente. Ele estava acordado, mas não estava são. Os olhos estavam tão baixos, e o corpo tão mole que Gwyneth ainda se perguntava como ele havia conseguido se levantar, como ainda estava acordado.

— Azriel... Azriel, sou eu. — disse, escutando a corneta dos navios soarem a alguns metros de distância. — Precisamos ir, meu amor... Precisamos...

Os músculos de seu parceiro enrijeceram, fazendo com que ele levantasse o rosto acabado para ela. Gwyneth não fazia a menor ideia de quanto do poder ele havia usado, mas aquilo parecia ter sugado parte da sua essência, e para o estrago que havia feito... Aquilo era muito mais que ele poderia ter usado.

As sombras mesmo fracas ajudaram a sacerdotisa a firmar o corpo de seu mestre, fazendo com que ela respirasse aliviada. O encantador piscou lentamente, como se tentasse voltar à realidade.

— Você me achou... 

— Eu te achei... — Gwyneth levou as mãos desesperadas para seu rosto, sentindo o quanto Azriel estava frio. — Eu te achei... Te achei... Te achei...

Gwyneth deixou as lágrimas caírem, sentindo-as queimar sua bochecha enquanto apoiava Azriel em seu corpo, enquanto passava as mãos em seu rosto machucado, sentindo todos os músculos tremerem em alívio. O laço em seu peito brilhou fortemente, quase a envolvendo por inteiro. 

Eu te achei.


Ai meu povo, são muitas emoções! Eu sempre fico aflita escrevendo cena de batalha, porque sempre acho que tá uma MERDA! Mas enfim, espero que essa tenha ficado boa ou irei me matar KKKKKK 

Gwynriel sendo o casal poderoso que é, amamos muito ver! Enfim não vou tomar muito tempo de vocês aqui, porque no próximo tem mais emoções e acho que vocês precisam se preparar pro pau torando e etc. 

Enfim, se gostaram do capítulo, por favor comentem bastante e curtam, isso me motiva muito a continuar. E claro, se tiver algo que não gostarem, é só me falar  — educadamente —, obrigada! 

É isso, pessoal! Até o próximo e beijinhos da Ane <3 

PS: desculpem qualquer errinho, tô atolada ultimamente e não to tendo tempo para revisar direito. 

Se quiserem ficar sabendo mais da história, dos meus surtos e etc, me sigam no twitter e no tiktok: /anewritter

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