A Lua da Morte by ChaieneS (Portuguese)

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A Lua da Morte

By ChaieneS — Chaiene Santos 


"Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia."

William Shakespeare


I — A Criatura das Sombras

Ano 3018

— Estação Delta E, permissão para pouso.

— Concedida, Tenente Cordon — respondeu a Oficial Sarah.

A nave Transport III acoplou no atracadouro da base, trazendo os mantimentos que foram trazidos de Marte, lugar onde a população da Terra se refugiou depois da Terceira Guerra Mundial que dizimou o planeta. Com a explosão das bombas de hidrogênio, produzidas a partir de fusão nuclear, o eixo da Terra se moveu e o núcleo parou, causando mudanças irreversíveis no eletromagnetismo terrestre. Além de lugares como Marte, a humanidade criou bases como aquela, em Enceladus, uma lua de Saturno, onde as condições permitiam uma maior sobrevivência.

O Capitão da base, Henry Fox, compareceu pessoalmente para verificar se toda a carga havia chegado intacta. Há um ano viviam sob um rigoroso racionamento para garantir a sobrevivência de todos, e aquela carga ajudaria que ninguém passasse fome enquanto a nova Redoma não estivesse pronta. Ela estava quase finalizada. Nela, o sistema biológico terrestre poderia ser cultivado, com árvores e plantas para promoverem a fotossíntese, além de servirem como alimento; animais e insetos para propagar as sementes por todos os cantos das regiões de florestas. Além disso, arquitetaram imensos espelhos para aumentarem a potência da luz do Sol que chegava cem vezes menor do que ao planeta Terra. Assim, os fótons solares assomavam na medida certa para serem absorvidos pela área plantada. E os cientistas conseguiram também criar gravidade artificial na área, o que facilitou viver nestes habitats, mantendo boas condições orgânicas.

Após a verificação e início da descarga dos suprimentos, o tenente Cordon subiu à ponte de comando, de onde observava a operação junto com o comandante.

— Como foi a viagem, Tenente?

— Correu bem, Capitão. Tivemos alguns problemas com o cinturão de asteroides perto de Júpiter. Ainda bem que os nossos oficiais navegadores são experientes e as turbulências não passaram de um susto.

— Desde que colonizamos Marte, para nossa sorte nunca mais faltou comida. Os antepassados disseram que a superpopulação do planeta Terra fez com que todos os recursos minguassem. Foi boa a ideia dos nossos cientistas do século XXI de enviarem missões para colonizar o planeta vermelho e plantarem legumes e vegetais, alterando a atmosfera do planeta, além de criarem um campo eletromagnético artificial. E agora, estamos repetindo esta experiência aqui em Enceladus.

— Sim, mas todos sabem que o verdadeiro objetivo do Conselho Democrático é chegarmos a um planeta parecido com a Terra, em estrutura e clima — disse Cordon.

— Acho que vamos conseguir, em gerações futuras. Em breve conseguiremos criar naves com motores de dobra espacial e as distâncias astronômicas serão transformadas em meros passeios — continuou Fox.

— Tudo ainda muito teórico, capitão. Não sei se isso será possível.

— Basta observar onde nós estamos. No passado remoto, jamais o ser humano imaginaria que chegaríamos até aqui...

Uma oficial de cabelos curtos estilo chanel entrou na ponte, interrompendo a conversa. Meneou a cabeça, cumprimentando o capitão:

— Permissão para entrar na ponte, senhor.

— Concedida, tenente Sarah.

Cordon olhou-a e ficou paralisado por alguns segundos. Ela tinha a pele alva, olhos castanhos escuros e cabelos claros, quase loiros. O corpo curvilíneo revelava que malhava muito na academia da base. Uma pequena tatuagem enfeitava o seu braço direito, perto da manga de seu uniforme de cor azul marinho. Era a cor da indumentária dos oficiais. ​

— Nós estávamos conversando sobre como foi importante a colonização de Marte pelos nossos ancestrais — disse o Comandante Henry Fox.​

Sarah sorriu, aquiescendo, fitando Cordon. Ele sorriu de volta e deixou o olhar se perder por mais tempo que o normal, encarando-a. O capitão pigarreou para quebrar o clima e o tenente continuou a falar:

— E como está a colônia de Enceladus, senhor?

— Estamos fazendo muito progresso com o mar subterrâneo que descobrimos aqui. Desde que as sondas mostraram que esta lua tinha muita água, o lugar tornou-se o novo alvo da colonização humana. Pena que o ar é irrespirável, por isso estamos demorando, criando as Redomas, com atmosfera artificial, para a nossa sobrevivência. Quando o projeto estiver concluído, poderemos permanecer vivos em qualquer parte do universo.

— Caso conseguíssemos encontrar um lugar semelhante à Terra, teríamos a chance de levar toda a população terráquea que hoje vive em Marte e Enceladus, reconstruindo a vida humana. Sem dúvida, tentaríamos evitar os erros do passado — concluiu Sarah.

— Bom, peço que me deem licença — disse Fox, depois de um momento. — Se quiserem ficar conversando, estejam à vontade. Vou até o novo sistema de reservatórios de água, com alguns oficiais para supervisão — antes de se afastar, ele concluiu. — Meu oficial imediato está terminando de conferir a carga que você trouxe, Cordon. Sarah, mande alojarem a tripulação da nave de transporte para que descansem. Isso inclui o tenente — riu, apontando para Cordon.

— Obrigado, senhor. — Disse o tenente.

O capitão, em seguida, se retirou para continuar o seu trabalho.

Depois de um instante de silêncio, Sarah olhou para Cordon e comentou, insinuando um sorriso:

— Deve estar cansado e com fome... Que tal irmos ao restaurante da base e tomarmos um bom café antes de levá-lo ao alojamento? Nós temos um ótimo por aqui.

— É claro que aceito!

Pouco depois continuavam o assunto, sentados à mesa do restaurante:

— E então, tenente?

— Pode me chamar de Sarah...

— Tudo bem — disse ele, meio sem jeito. — Sarah, como conseguem viver tão longe da colônia de Marte?

— Cordon, aqui é muito parecido com as condições de vida que vocês têm no planeta vermelho. Esta obra segue os modelos que foram edificados em Marte e os engenheiros florestais, geneticistas e biólogos possuem uma vasta experiência na preparação de ambientes sofisticados para a vida humana, como pode ver. O problema maior era a água e este foi um dos motivos principais para a escolha desta lua para a segunda colônia humana. Há um oceano de água aqui que garantirá a nossa sobrevivência — respondeu Sarah, empolgada em falar sobre Enceladus, que agora era o seu lar.

— Ouvi dizer que gêiseres lançam para a superfície deste satélite acinzentado minerais do núcleo sólido, que aos poucos mudam a constituição do solo... — Ela assentiu. — E que os cientistas conseguiram drenar a água para a superfície a fim de tratá-la, tornando-a própria para consumo e também como fonte de energia, visto que conseguiram separar o hidrogênio da água, transformando-o em combustível para gerar energia nuclear...

— Sim. Parece que você está bem informado sobre as condições da nossa colônia. Por falar nisso, os engenheiros descobriram como tornar a água potável e estão por coincidência, a partir de hoje, começando a bombear o líquido precioso de uma nova parte, mais profunda, que descobriram por acaso — disse a tenente, admirada pelo interesse.

— Sei destas coisas por causa das aulas que temos na academia militar. Aprendemos tudo sobre Astrofísica — retrucou, sorrindo.

Ela sorriu de volta.

— Você está sendo modesto, Cordon.

— Que interessante terem descoberto mais água nesta lua. Ouvi dizer que é o lugar com mais água disponível no nosso sistema solar.

A conversa continuou a transcorrer de modo fluido, e eles se divertiam enquanto tomavam café. Cordon olhava a sua colega militar, admirado com sua inteligência e beleza. Eles se divertiam com o bom papo.

***

Longe dali, na parte mais profunda da lua, uma aberração assombrosa abria os olhos. Acordou com o ruído de uma perfuratriz que buscava água. O operador da máquina gigante nem sequer imaginou que, naquele momento, algo completamente desconhecido o observava, de um lugar que, se pudesse vislumbrar, ficaria apavorado.

Ouvindo uma música antiga, o homem estava distraído trabalhando e, ao erguer o braço para alongá-lo, acabou batendo a mão em um parafuso solto, perfurando a carne. Imerso em dor, começou a xingar baixinho, sem preocupar-se com a sutil gota de sangue que esvaiu pelo corte, atingindo a água, despertando na criatura um novo sentido: a fome.

Curiosa, ela se moveu em direção a pequena nódoa vermelha que se misturava à água e absorveu-a rapidamente. Por um momento, o ser, sem forma definida, pareceu vibrar com o novo gosto que acabara de descobrir. E percebeu que queria mais... Para isso, esperou pacientemente a hora de dar o bote.

Analisando o ambiente ao seu redor, viu os dutos recém-instalados, encontrando ali a oportunidade perfeita de procurar uma nova forma de se alimentar.

Passou pelos canos que levavam água ao reservatório da Estação Delta. Seu corpo, gelatinoso, absorvia todos os seres vivos que encontrava pelo caminho, tornando-se maior e mais forte. Parecia uma água-viva, gelatinosa, atraída pelo gosto de sangue humano, através das centenas de receptores das membranas que revestiam a sua derme. Depois de algum tempo, criaturas menores, parecidas com ela, a seguiam, como se ela fosse a rainha. A morte estava chegando, e os habitantes da colônia não tinham ideia do perigo que se aproximava...


II — A Lua do Amor

O capitão Henry, após terminar de inspecionar o novo projeto hídrico, desceu por um elevador até os seus aposentos para descansar um pouco. Lá sua esposa o esperava. Lanza Iroshi era uma das engenheiras nucleares mais respeitadas que ele conhecia.

— Como está querido? Não o vi acordar hoje — disse, o abraçando — Chegaram os mantimentos?

— Sim, deu tudo certo, meu amor. A nave fez uma boa viagem e, no momento, estão descarregando tudo... Supervisionei as primeiras etapas e, em seguida, aproveitei para acompanhar a construção do reservatório. Ando meio estressado com este projeto, que é gigantesco... Como parece, às vezes, a responsabilidade de comandar essa base. Não posso me descuidar nem um pouco. Ainda bem que tenho ótimos oficiais para me assessorarem neste trabalho.

Ela o beijou nos lábios e disse:

— Podíamos aproveitar que você está aqui e eu também para, quem sabe, namorar um pouco...

— Adoraria atender o seu desejo, mas não posso. Temos visita na base e posso ser chamado a qualquer momento. Não iria querer que eu parasse o que estivesse fazendo na metade, não é? À noite, teremos tempo de sobra.

Ela lhe deu as costas, parecendo realmente magoada:

— Depois que viemos para este lugar, você pensa apenas no seu trabalho... Nossa vida está se esvaindo por entre os dedos. Esqueceu-se até do plano de tentarmos ter um filho assim que chegássemos. Agora não faz mais nada além de pensar o tempo todo neste projeto. Henry, preciso mais de você do que essa maldita base! Até nos dias de descanso, você tem trabalhado. Ou você se esqueceu de que hoje seria a nossa folga, juntos?

— Calma, meu amor, tudo a seu tempo. Você sabe que um Comandante não tem folga e que gosto de supervisionar as coisas importantes pessoalmente. Não se esqueça de que eu amo você!

— Mas parece que eu deixei de ser importante para você, já que a desculpa é sempre o trabalho.

— Eu lhe garanto que ainda sou um bom marido e teremos o filho que tanto deseja. No fundo é o que eu mais quero também — disse, sorrindo para deixá-la mais contente. — Eu quero várias crianças brincando ao nosso lado, pulando na minha cabeça — ela sorriu de volta.

— Está bem, querido. Desculpe-me por tantas cobranças. Imagino que a responsabilidade sobre suas costas é grande. Vamos fazer tudo na hora certa. Tome um copo d'água. Quase não vejo você tomá-la. Faz bem à saúde.

— Obrigado querida. É que basta ouvir falar em água e me lembro do projeto do reservatório.

— Deixe tudo a seu tempo. Não foi isso o que combinamos? — Ela o fitou com falsa severidade.

Ele sorriu mais uma vez. O capitão comeu um lanche preparado por ela e deitou-se um pouco. Adormeceu por alguns minutos.

Enquanto isso, o casal de oficiais continuava a conversar no restaurante. O tenente Cordon pediu mais um café para prolongar o tempo com a bela oficial. Sarah deu uns goles na bebida quente e disse:

— Eu acho impressionante como a diversificação das culturas humanas, desde as primeiras formações das sociedades, não deixou o homem enxergar que um dia os recursos do planeta iriam acabar, e que a disputa por crescimento econômico nada mais era que o combustível para o início da guerra e devastação do planeta. Acabaram as vantagens do crescimento econômico, as diversidades culturais e as ideologias sobre a destruição da humanidade baseadas nas profecias antigas. Na verdade, o planeta Terra foi extinto por quem deveria preservá-lo.

— Quando descobrimos que havia vida em outros planetas, tudo mudou. Você se lembra da primeira comunicação com outras civilizações, ao descobrimos através dos poderosos telescópios e equipamentos de rádio que havia seres tentando fazer contato conosco? Com as redes sociais, o mundo todo soube que o ser humano não é o único privilegiado de viver no vasto Universo. Então, os jovens que cresceram plugados ao mundo globalizado deixaram de seguir as crenças que viviam da descrença do povo, para acreditarem na diversidade do Cosmos. A maioria das religiões acabou. Agora somos um só povo da humanidade, tentando sobreviver. A ideologia é a de nos unirmos em prol de nossa descendência.

— É doloroso olhar para trás e ver que bilhões de vidas foram ceifadas por causa de guerras, causadas por motivos religiosos e econômicos que nunca existiram, ou pelo menos, não existem mais — comentou Sarah.

— Meu sonho seria ter nascido no planeta verde e ver os animais que nossos antepassados diziam que viviam pelas florestas. Pássaros que voavam pela vastidão do céu azul e que cantavam demonstrando alegria, peixes nos grandes oceanos, animais caçadores que matavam somente para saciar a fome e o meio ambiente em total equilíbrio — disse Cordon.

— Até que o homem entrou no meio disso tudo, desequilibrando a vida no planeta. Graças aos nossos cientistas, uma parte da humanidade conseguiu sobreviver e criar sistemas de habitats artificiais, imitando a harmonia dos verdadeiros biomas terrestres. E estamos nós aqui hoje por causa disso, numa lua distante da Terra. E o que nos move é o nosso espírito de sobrevivência. Ele faz com que tenhamos garra para vencer, enfrentar obstáculos e lutar por algo em que acreditamos... A vida é o motivo da maior entrega da alma humana. Sempre a humanidade dará sua última gota de sangue para se auto preservar.

Eles sorriram juntos, concordando. O que seria deles sem aquilo que os povos antigos chamavam de fé?

— Que tal se assistirmos um filme juntos esta noite? — Ele disse, mudando de assunto.

— Acho legal. Vamos ao cinema holográfico mais tarde? — Ela levantou um holograma, conferindo os horários de exibição.

— Para mim está ótimo.

Após conversarem sobre amenidades, ele não resistiu à curiosidade e perguntou de modo incisivo:

— Sarah...

— O que foi, Cordon?

— Desculpe-me, estou um pouco envergonhado para lhe fazer uma pergunta...

— Por quê? Pode falar...

É agora ou nunca, ele pensou antes de finalmente indagar:

— Você tem alguém?

— Como assim? — Ela pareceu confusa com a pergunta.

— Digo... É casada? Tem namorado?

Sarah levantou as sobrancelhas e disse:

— Nossa, como você é direto, Cordon!

E ele, todo sem graça, respondeu para ela, mesmo sabendo que talvez não gostasse do que fosse ouvir:

— Talvez não a veja de novo. A distância entre as colônias é grande. O tempo é curto e o espaço é longo. Se ao menos existissem as pontes espaço-tempo ou teletransporte, seria ótimo. Mas acho que isso vai demorar muito para ser descoberto. — Ele respirou antes de continuar — Eu queria que você soubesse que gostei muito de você. Achei-a bonita e inteligente, poderia ficar horas conversando com você.

Ele colocou a mão sobre a dela, mas Sarah afastou a mão discretamente para que ninguém percebesse. Ficou envergonhada com a declaração.

— Se eu tivesse compromisso com alguém, não iria ao cinema holográfico com você. Eu não tenho ninguém no momento, mas não gosto de coisas que acontecem rapidamente. Nem o conheço! Talvez possa acontecer algo entre nós, mas vamos deixar que as coisas sejam naturais, ok?

— Espero ter este tempo que você precisa. No que depender de mim, fico aqui o tempo que for necessário para gostar de mim... — Ela aquiesceu. — Nos vemos à noite, então.

Ele se levantou, aproximou-se dela e beijou-a levemente na face. Sarah ficou surpresa, pois isso não era comum entre oficiais, mas sorriu para ele. Cordon retribuiu, com um sentimento de esperança no coração por saber que havia uma chance para ele. Afinal, Sarah não havia dito sim, mas não o recusou prontamente... E a tenente aceitara ir ao cinema com ele. Seria uma boa oportunidade para se aproximarem.


III — A Lua do Terror

Mas nem tudo corria bem na lua de Saturno. Porque no reservatório central de água, na Base de Enceladus, alguns visitantes invasores começavam a chegar.

O ser, até então desconhecido, desceu pela torneira do laboratório de análises hematológicas e escorreu pelo chão, atraído pelo odor de sangue. Não precisava mais ingerir aquelas arqueobactérias microscópicas sem sabor. O líquido precioso das veias dos humanos era o seu propósito. O coloide começou a tomar conta do piso e os olhos do monstro se abriram revelando que a substância viscosa era um ser vivo.

Logo em seguida, um técnico que voltava do almoço chegou e pisou na criatura. No mesmo instante os seus pés colaram no chão. Ele puxou a perna, querendo soltá-la, mas o membro não o obedecia, parecia cada vez mais aderida ao pavimento. A gosma subiu pela sua canela e, na mesma hora, ele sentiu uma dor muito forte na pele, que ardia, como se estivesse sendo sugada. O trabalhador colocou a mão e então, a situação piorou porque a mão dele se prendeu à coisa. Quanto mais que se debatia, o corpo dele era aderido pela criatura, até que ele ficou todo envolto pelo bicho que o devorou completamente, fazendo com que ele desaparecesse, sem deixar vestígios.

Um engenheiro se aproximou, sem imaginar o que estava acontecendo. Observou a substância gelatinosa vazando pelo reservatório e olhou para o tanque, para ver se havia algum vazamento. Viu que no teto havia algumas gotas da mesma substância pingando em direção ao chão. E, sem que ele percebesse, a criatura começou a subir pela sua bota, como fizera com o outro homem. Uma das criaturas menores subia a parede, atraindo a atenção do homem. Ao se aproximar, movido pela curiosidade, recebeu dela o esguicho de um líquido esverdeado, que o deixou estranho. O pobre homem via a parede crescer e diminuir à sua frente, os colegas que entraram no local para acudi-lo pareciam coloridos. O homem esboçou um sorriso louco, mas era tarde para qualquer reação. Outros pequenos seres surgiram dos mais diferentes locais, expelindo a mesma substância sobre os demais técnicos.

A criatura que momentos antes se deleitara com a carne humana, começou a se contorcer, como se algo dentro dela evoluísse, mudasse, inspirada pela complexidade do corpo humano. O ser cresceu, até formar a silhueta de um humanoide e, como uma serpente abriu uma boca gigantesca, inumana, engolindo a vítima mais próxima por inteiro. No caso, era o pobre engenheiro que via encantado as cores que só ocupavam a sua mente. As outras criaturas menores, como se esperassem uma ordem que os ouvidos humanos eram incapazes de escutar, devoraram os outros homens que estavam no local. Nenhum alarme foi soado, nenhuma morte anunciada.

A besta gelatinosa comandava as outras criaturas como se estivessem conectadas telepaticamente. Assim, o cortejo monstruoso pôs-se em movimento, rastejando pelos corredores à procura de mais sangue.

Uma sargento que andava pelo corredor ouviu o estranho barulho delas se movendo. Por isso, resolveu entrar na sala do reservatório. Ao avistar as criaturas com seus corpos transparentes, cheias de veias infladas de carne e sangue humanos, fugiu para o corredor e acionou o fechamento das portas. A criatura até cuspiu seu veneno na direção dela, mas ela conseguiu fugir. A oficial correu pela base apavorada, acionando todos os alarmes disponíveis.

A sargento chamou o comandante no comunicador e lhe contou tudo. Abismado, ele correu até a ponte de comando.

— Aonde você vai com tanta pressa, querido? — Sua esposa indagou ao vê-lo passar.

— Desculpe, mas tenho que correr. Conto tudo para você depois... — Ele respondeu, sem entender muito bem a dimensão do que estava acontecendo.

Sua esposa o olhou, curiosa, enquanto ele saía, sem pensar o quanto suas vidas corriam risco.​A primeira coisa que o comandante fez ao chegar na ponte foi reunir os seus oficiais e pensar em um modo de deter aquelas criaturas.

— Preparem uma equipe de assalto para atacar este invasor — ordenou aos seguranças. - Peguem as armas laser e granadas. Vamos acabar com eles — disse o capitão, Henry Fox.

— Tenente Ghin, chame uma equipe de biólogos... Quero que estudem as amostras destes seres rapidamente para ver de que são feitos e quais são os seus pontos fracos.

— Sim, senhor.​

— Sargento Sunnya, quero um relatório em minha mesa sobre tudo o que viu, para ontem.

— Sim, senhor. Vou preparar, imediatamente.

​Os soldados foram passando pela sala de armas e colocando os seus equipamentos de combate. Algumas equipes de assalto desciam pelos elevadores e outras pelas escadas de acesso ao setor do laboratório. Foram enviados junto com eles cientistas e biólogos. Fox acompanhava pelos sistemas de monitoramento da base, o grupo que se dirigia para o local da invasão. O Comandante observou pelas câmeras que eram várias criaturas, dos mais diversos tamanhos, com a mesma textura gosmenta. Pareciam águas-vivas, mas capazes de se mover rapidamente fora da água. Percebeu que elas deviam ter vindo do mar lunar.

Os homens entraram em confronto com elas, mas foi em vão. Todas as equipes, aos poucos, iam sendo consumidas pelas criaturas. Vendo que corriam o risco de perder aquela batalha, Fox avisou as bases avançadas de Marte sobre o que estava acontecendo em Enceladus. Só que, infelizmente, não havia tempo para enviarem ajuda.

Um soldado conseguiu separar parte do líquido que atacavam as pessoas, que havia no chão do corredor para analisarem, mas uma das criaturas menores o atacou. Enquanto a criatura entrou em sua boca, devorando toda a sua garganta, ele deixou o frasco deslizar pelo chão. Outro soldado, que acabou pegando o invólucro, saiu correndo em retirada para não ser devorado.

Rapidamente, levou a amostra para os cientistas analisarem o que era aquilo e como se defenderem. Aquela era uma das principais armas do invasor, uma substância que deixava a vítima com alucinações, tornando-a incapaz de reagir enquanto era devorada.

Os biomédicos estudaram a substância e descobriram que ela, uma vez absorvida pela pele, chegava rapidamente à corrente sanguínea, atacando o sistema nervoso. A presa ficava paralisada e, sem reação, tinha alucinações que a fragilizavam mais ainda para ser abatida pelo seu algoz. Eles tinham de pensar em um antídoto para aquilo, assim como um modo de abater as criaturas... Mas o tempo estava cada vez mais curto.

— Senhor, eu tenho uma ideia — disse um dos biólogos presentes. — Uma arma congelante ou uma que utilizasse altas doses de calor poderia liquidá-los, alterando o seu estado natural.

O capitão Henry assentiu e ordenou aos seus oficiais:

— Peguem tudo o que temos de armamento que possa ser congelante e inflamável. Balas, granadas e raios laser não surtirão efeito. Vamos acabar com essas criaturas!

Os soldados começaram a atirar nos seres com armas congelantes, mas eles não pareciam sentir nada, apenas ficavam alguns minutos paralisadas. Depois, a equipe de assalto usou energia térmica com altas temperaturas e os monstros pareciam se adaptar às condições extremas. As criaturas pareciam trabalhar em conjunto, como se compartilhassem um só cérebro. Assim, elas foram devorando os humanos que estavam à sua frente e acabaram por alcançar os dutos de água que supriam a base, permitindo que os monstros tivessem acesso a todos os lugares. Derrotados, os oficiais sobreviventes só puderam avisar o capitão Henry Fox, que ordenou:

— Fechem todas as saídas de água, imediatamente. Todos correm perigo agora.

Agora só restava uma alternativa: fugir. Não tinham mais como deter aqueles seres; precisavam manter o maior número de habitantes vivos, principalmente, as crianças. Triste, o capitão deu a ordem de evacuação. As sirenes começaram a soar.

— Atenção, todos os membros da colônia Enceladus. Preparem-se para a evacuação imediata, isto é uma ordem. Ouçam bem... Isto não é um exercício. Estamos sob ataque.

Começou a correria. As naves do protocolo de fuga foram preparadas e as pessoas foram se acomodando, como haviam treinado inúmeras vezes para acidentes ou ocorrências dessa circunstância.

Enquanto isso, as criaturas, que se tornaram grandes após serem bem alimentadas, chegaram ao corredor de acesso à área de cargas. Lá estavam os tenentes Cordon e Sarah, que correram do café no restaurante; todos os planos amorosos e esperanças sendo adiados. Cordon estava com uma arma congelante e atirou nas criaturas assim que as avistou. Eles congelaram, por um momento, para logo se esticarem em formas humanoides, que passaram a perseguir o casal.

— Corra, Sarah! Vamos para a Transport III. Tenho uma ideia.

Eles corriam do monstro, tropeçando nas coisas pelo caminho, desesperando-se. Sarah acabou caindo no chão e Cordon já estava longe quando deu por sua falta. O oficial voltou-se rapidamente e a segurou pelo braço, levantando-a.

— Vamos, Sarah. Corra!

A tenente continuou, meio que mancando. Seu joelho estava cortado, respingando sangue em sua roupa e chão, conforme ela corria.

— Meu joelho dói — ela reclamou.

— Não pare, Sarah. Senão você não terá joelho para doer, nem andar. Venha comigo, rápido!

A tenente correu enquanto o monstro jogava o seu veneno para cima deles. O líquido grosso e esverdeado grudava nas paredes, quase acertando o casal. Ao chegarem à nave, Cordon correu até o laboratório e abriu o cofre. Sarah fechou a porta logo atrás deles.

— Cordon, acho que vamos todos morrer! Não dá para lutar contra estas criaturas. Chegamos ao fim da colônia.

— Não perca as esperanças. Não você, que falou para mim sobre o nosso espírito de sobrevivência.

— Sim, você está certo. Vamos batalhar pelas nossas vidas — ela olhou para baixo, tentando tomar fôlego, mas viu um deles já deslizando por debaixo da porta.

Colocou a mão na boca enquanto o seu coração disparava. Pegou uma arma congelante e ficou apontando para a porta. Cordon também pegou uma arma, que estava em teste no laboratório. Ela liberava raios gama altamente nocivos às células de qualquer ser vivo. Este raio, por ter o comprimento de uma onda eletromagnética muito curta, alterava a estrutura orgânica e as células definhavam até perecerem.

— Afaste-se, Sarah!

Ela retrocedeu e, depois de atirar várias vezes nas criaturas, sentiu que a arma não causava qualquer dano a elas. Sarah congelou novamente os invasores e o tenente aproveitou os poucos minutos para empurrar os seres congelados como picolés pelo hangar da nave para o espaço sideral.

Depois de se livrarem dos bichos, Cordon contatou Fox.

— Capitão. Como está a situação na Base?

— A coisa está feia aqui. É impossível derrotar estes invasores. Já mataram quase toda a tripulação — respondeu o comandante. — Estamos enviando primeiro as crianças e os idosos para as naves de fuga e iremos logo em seguida.

— Senhor, sugiro que façam isso o mais rápido possível.

— Entendido, tenente. Desligo.​

A Base estava um verdadeiro caos com explosões e tiros para todos os lados. Os soldados tentavam acabar com as criaturas como podiam, enquanto as pessoas fugiam desesperadas para alcançar o atracadouro. Algumas eram devoradas pelos monstros viscosos e outras conseguiam chegar ilesas às naves.

Os militares organizavam a evacuação. O comandante correu até seu quarto para salvar a sua esposa, Lanza. Por dentro da situação caótica que se encontravam, ela já estava pronta, com seu traje espacial e capacete. Fugiram o mais rápido que puderam, usando um dos veículos da base e logo se aproximaram da Transport III. Era a nave mais próxima e segura para o escape. Lá estava também Cordon e Sarah, com a tripulação que conseguira chegar a tempo de partir.

— Preparando para a decolagem — disse Cordon.

A esta altura, Cordon não sabia onde estava o restante de sua tripulação que se dispersara pela Base. Muitos estavam mortos ou perdidos no meio da confusão.

— Espere, Cordon. O capitão está chegando com mais alguém — disse Sarah, tirando-o de seus pensamentos.

O veículo do capitão chegou, com algumas criaturas em seu encalço. Os invasores, durante aquelas poucas horas, pareciam ter se multiplicado, em uma estranha simbiose, devorando as pessoas como uma massa viva, calando de forma rápida os gritos de dor e desespero, sem deixar rastro.

— Rápido, senhor! — Gritou Cordon diante daquela cena pavorosa.

Enquanto o tenente dava início aos procedimentos de decolagem junto com os computadores da nave, Sarah foi ao hangar para ajudar, atirando nos monstros com uma arma laser de longa distância. Lanza e ela atiravam ininterruptamente, enquanto o capitão conseguia pousar o seu veículo dentro da nave de fuga. Foi o tempo exato para a porta se fechar e as poucas pessoas que estavam ali vestiram os trajes espaciais, antes que a nave saísse da órbita da Base.

Eles estavam vivos. Era só isso que importava naquele momento.

Dentro da nave, todos respiraram, por fim aliviados. Em lágrimas, o capitão pensou em todos os amigos que tinha deixado para trás, sem poder ao menos salvá-los.

— Cordon, você está detectando mais alguma nave em fuga no radar? — Disse, ainda com esperança.

— Infelizmente não, senhor. Acho que somos os únicos sobreviventes.

Henry abaixou a cabeça e a senhora Iroshi, sua esposa o abraçou, triste. Quantos haviam perecido! Mulheres, crianças e jovens, reduzindo ainda mais as esperanças sobre um novo começo da humanidade.

Mas a morte ainda pairava entre eles. O silêncio do alívio foi quebrado por Sarah, que olhou para fora assustada e disse:

— Acho que temos companhia!

Todos os que estavam ali na ponte de comando viram a primeira criatura, a que podia ser considerada a mãe de todos os monstros, do lado de fora da nave. A falta de oxigênio parecia não a afetar. Movia-se lentamente, socando a porta de entrada. Parecia um arremedo humano, uma figura viscosa de quase três metros de altura, com parcos traços humanos.

— Se ela abrir a porta, a nave será destruída.

Mas ela só precisava de uma pequena fissura, uma brecha. E assim que a fez, tornou-se quase líquida, despejando para dentro da nave. Horrorizados, eles viram através da câmera ela se reintegrar dentro do ambiente da nave, e como se fosse guiada pelo cheiro deles, a besta dirigiu-se à sala de comando.

Sarah e o capitão se ofereceram para tentar deter a criatura. Juntaram todas as armas que tinham em mãos e foram em direção à criatura.

Fox disse, por fim:

— Vamos fechar as portas, rápido!

O monstro continuou avançando e, ao chegar às entradas fechadas da sala de comando, foi se moldando às frestas para atravessar, para o desespero de todos.

— Você tem alguma nave de fuga na Transport III? — Perguntou Fox, pensando em uma solução.

— Sim. Temos três naves, mas duas estão atrás daquela porta — disse Cordon, apontando para onde a criatura estava. — Podemos alcançar somente uma, que tem acesso direto à ponte de comando.

— Cabem todos? — O capitão perguntou, fitando os sobreviventes presentes. As pessoas já haviam sofrido demais. Não deixaria ninguém mais perecer.

O oficial assentiu, dando um novo alento a todos.

— Vocês ouviram isso? Coloque a Transport III em modo de autodestruição e vamos rápido para a nave de fuga. — Disse o capitão. — Mandaremos este demônio pelos ares — gritou para incentivar à equipe.

Enquanto isso, a criatura ocupava as frestas da porta, pequenas poças de seu líquido gosmento se formavam no chão. Eles não tinham muito tempo.

Após ativarem a sequência de autodestruição, correram o máximo que puderam para entrar na nave. Com as sirenes de alarme ativadas, a nave de fuga decolou, deixando para trás não só a Transport III, mas também a criatura que iria alimentar o pesadelo de muitos durante anos.

Sarah olhou em uma das janelas da nave e a última coisa que viu foi a criatura, apoiada em um dos vidros da ponte de comando, os observando com seus grandes olhos que pareciam feitos de vidro escarlate. Era como se nela tivesse algo de evoluído, quase humano. Mas foi a explosão que despertou a oficial, iluminando toda a atmosfera de Enceladus. Era a nave mãe se autodestruindo, com a besta assassina dentro dela.

— Graças a Deus escapamos! — Disse Lanza, chorando com a cabeça deitada no ombro do capitão Fox.

— Obrigado amigo Cordon. Você nos salvou! — Agradeceu o capitão satisfeito com a fuga.

— Não conseguiria sem vocês! — Ele disse, olhando no fundo dos olhos de Sarah.

Neste momento ela retribuiu o seu olhar e a nave seguiu em piloto automático em direção à Marte. Os lábios dos dois por fim se encontraram, sem medo ou barreiras. Nascia ali um amor que seria para sempre.

Fox e Lanza também se beijaram. Ele, ao ver os olhos dela brilhantes, perguntou:

— Quando você me olha deste jeito é porque quer me dizer alguma coisa.

— Eu amo você!

— Eu também amo você, minha querida!

— Não sei se é o momento certo para lhe contar, mas fiz um exame depois que você saiu correndo do nosso quarto para defender a base. E descobri uma coisa...

— O que? — Ele indagou, preocupado.

— Eu estou grávida!

— Meu Deus, não acredito! Que notícia maravilhosa...

— Depois de tudo o que vivenciamos hoje, achei que você precisava saber disso e eu estou muito feliz por estar esperando um filho nosso.

Os dois passaram as mãos sobre a barriga da senhora Iroshi e sorriram um para o outro.

Cordon interrompeu-os e disse:

— Nós podíamos ter guardado uma parte gelatinosa da criatura para estudá-la melhor em Marte. Assim poderíamos encontrar um meio de destruí-la e recuperar a Base.

— Quem disse que não a trouxemos? — Disse o capitão mostrando um frasco que levava consigo.

Os quatro se olharam mutuamente e sorriram felizes por estarem vivos. Seguiriam uma longa viagem. Em busca do desconhecido.

FIM

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