A graça que a noite tem

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A noite.

A noite é o que resta de nós. A culminância do cansaço orgânico, mental.

A noite já havia caído sobre a cidade quando o ônibus estacionou na pista do IF. O rebanho discente tão logo o esvaziou, um a um, cena rotineira, já gravada na noite de todos. Fora dele, as panelinhas se reuniam, as risadas se estendiam pelos pátios. Dali para a birosca ou para as salas de aula. Istéfani com Roger e Laene. Letícia com Beatriz e Isabela. Iandra com Naian e Juliana. Debora sozinha com os seus passos. O autor também.

O itinerário era o de sempre, como os bocejos, os insetos, as luzes, as trilhas de pedra, as cascavéis. Na sala de aula, os futuros tecnólogos em processos gerenciais faziam reunião, sardônicos deputados em assembleia de impeachment.

Aqui, aproveito e faço logo a planta da sala: bem na frente, quase colada à lousa, a panelinha religiosa fervia sob os mais pudibundos assuntos. Ao lado, a trupe das quebradas. Ao fundo, Istéfani ria sozinha. Coitada. Ao centro, Débora, Osman e Ivaldo meditavam. Grandes pensadores contemporâneos. Letícia e Tamires no flanco, próximas à porta. O autor, fora da ordem.

Logo despejaram a surpresa: a noite seria toda da Léa Flores!

Puta merda!

A surpresa também é um doce amargo, vencido, fora da validade...

A própria passou pela porta como um furacão: ar-ra-sa-do-ra!

Saudações de praxe, animação em ácido contraste ao já estuprado ânimo geral.

Ligado o datashow, a aula rolando no maior pique de sexta-feira, eis que entra Brendo, Franciele e Jailma, barulhentas curicas, roubando a atenção, pondo a gaúcha doida, com cara de supremo nojo...

E o que acontece agora (antes que você, que me lê, se acomode ou puxe um ronco)?

– Mulhézi, não acredito que acabou a água?!

– Pois é, mulhézi, acabou. Aquele professor baixinho...

– Ionenaga?

– ...é, esse mesmo, vai falar aqui com a gente. Acho que vai liberar todo mundo.

– Mulhézi, tá brincando? É hoje que eu me jogo na night! Wow!

– Ai, mu-lhé-ziiii!!! Me levaaaa!!!

Isto acima foi um diálogo entre Brendo e Jailma.

A profecia discutida se cumpriu, e o coordenador do curso de processos gerenciais foi todo bafento à turma explicar que, misteriosamente, o abastecimento do campus estava cortado. Talvez um cano estivesse quebrado com as reformas no pátio, talvez a falha fosse no sistema hídrico municipal. Talvez a água já estivesse acabando no mundo todo. O fato é que sem água não haveria palestra, pois os professores não falariam tanto de goela seca. Sem água, ninguém usaria os banheiros, pois seriam poucos os que suportariam o bálsamo de mais tarde. Sem água os alunos iriam todos para casa, afinal. Se bem que nem todos...

Nesse esquema perfeito só tinha um problema: de todas as turmas do campus em aula essa noite, a de processos foi a única liberada.

Para você ver como a noite é o que resta de nós. Não tinha cano quebrado nem escassez de água generalizada coisa alguma. Era o registro da caixa d'água que estava fechado...

Quando descobriram o engano do coordenador, já era tarde. A turma já estava dispersa. Uns poucos, motorizados, já tinham até ido embora. No fim das contas, ninguém foi punido. Ninguém pediu desculpas pela aula perdida (e, cê sabe, né, aluno que é aluno jamais reclama de aula vaga), ninguém ganhou falta. Ficou por aquilo mesmo, e todos os estudantes sem-carona-e-sem-CNH (maioria) tiveram que esperar plantados pelo ônibus das 22h40.

A única que realmente foi para casa mais cedo foi a Léa Flores. Sorrindo. Mas o sorriso não era de alegria, não. Na verdade, os dentes dela pareciam mesmo é pedir por sangue humano. Só não contem ao Ionenaga quem seria a vítima, OK? Fica sendo o nosso segredinho!

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